sábado, 18 de maio de 2019

DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO: breves apontamentos sobre as companhias militares privadas

CELSO TARCISIO BARCELLI1


Breve introdução ao Direito Internacional Humanitário - DIH

É falsa a afirmação popular de que na guerra e no amor valem tudo, ao menos quanto à primeira existem inúmeros instrumentos normativos internacionais que limitam os meios e métodos de combate.

As regras costumeiras do direito de guerra nasceram quase que simultaneamente com as primeiras relações entre as comunidades.

Em uma definição resumidíssima e simplificada, o DIH é um conjunto de normas internacionais, que limitam o direito de as partes em conflito escolherem livremente os métodos e meios de combate, com o objetivo de prevenir a mutua aniquilação naturalmente decorrente do uso da violência sem limites. O DIH existe para preservar a própria humanidade2. Seus principais destinatários são os soldados.

Neste aspecto, importante esclarecer breves diferenças entre Diretos Humanos e Direito Humanitário (apesar de parte da doutrina compreender que os dois estão fundidos).

Direitos humanos: protegem qualquer pessoa em qualquer tempo contra atos de agentes do seu próprio Estado; alguns direitos podem ser derrogados durante estado de sítio.

Direito humanitário: protege civis, feridos, prisioneiros de guerra, pessoal sanitário e religioso e da Cruz Vermelha em tempo de conflito armado contra atos do próprio Estado ou outro Estado e grupos armados sob um comando responsável, são direitos que nunca podem ser derrogados.

Existem vários tratados3que cuidam da regulamentação dos meios e métodos de combate, proteção de pessoas e bens, proibição do uso de certas armas etc., mas citam-se como fonte principal do DIH os costumes internacionais4, a Convenção de Genebra de 1949 e seu respectivo Protocolo Adicional I de 1977.


Conceito de Combatente

Os membros das forças armadas são considerados combatentes legais ou privilegiados, que podem não ser processados por participar das hostilidades, enquanto respeitarem o Direito Internacional Humanitário (DIH)5.

Civis podem ser considerados combatentes se pegarem em armas espontaneamente para combater tropas invasoras, tragam armas à vista e respeitem as leis de guerras. Como não há uma definição taxativa de combatente, alguns apontam que o importante para obter o status de combatente é respeitar o DIH, portar arma ostensivamente e estar sob um comando responsável ligado a uma das partes em conflito.

Os combatentes têm direito de participara das hostilidades e se capturados são considerados prisioneiros de guerra, a condição de prisioneiro de guerra importa em dois importantes direitos, a saber: a) enquanto capturado tem direito a tratamento justo, não ser insultado, não sofrer represálias e cuidados médicos; b) imunidade como combatente, impede que seja julgado por atos de guerra ou por atos praticados antes de ser capturado como prisioneiro de guerra.

Alguns civis engajados ilegalmente nas hostilidades podem até receber a condição de prisioneiro de guerra quando capturados, todavia, não recebem a imunidade de combatente6.


Companhias militares privadas ou mercenários?

Um exército regular normalmente é empregado em uma guerra por decisão de um parlamento; em outras palavras, o soldado regular luta porque o seu país necessita e não porque quer.

O mercenário vai à guerra por dinheiro, isto, dizem alguns, os tornam combatentes7 cruéis8.

Modernamente, operam no mundo as companhias militares privadas, tratam-se de verdadeiras empresas de negócios objetivando lucros (algumas até com ações na bolsa), criadas normalmente por ex-oficiais de alta patente (generais etc.) que empregam ex-militares ou policias com carreira em forças especiais, que uma vez fora da caserna não conseguem se adaptar ao estilo de vida civil, necessitam do ambiente militar, da camaradagem, das armas, da adrenalina do combate9.

Embora digam que prestam apenas serviços de proteção de pessoas, instalações, bens e comboios, treinamento a forças locais e operações de logística e sistema de armas, o que se chama de “proteger e escapar”; a verdade é que algumas destas companhias conduzem verdadeiras operações militares, funções ativas e não defensivas.

Ao citar Keegan, CINELLI argumenta que todos os exércitos regulares costumam recrutar mercenários para travar escaramuças10 por eles; na atualidade, o que justifica o emprego de CMPs é o baixo custo de contratação em comparação com formação de membros de exércitos regulares (uma observação nossa, o baixo custo além de outros fatores, se deve ao fato de que os empregados das CMPs foram formados pelo próprio Estado).

Na acepção tradicional da palavra, os empregados das CMPs seriam mercenários, porque lutam por dinheiro, lucro é o objetivo de qualquer empresa e não é diferente com as CMPs.

Os executivos destas empresas rechaçam o título de mercenários modernos, aproveitando inclusive um vácuo legislativo sobre o tema.

É que a situação jurídica destas empresas é nebulosa porque não existe nenhuma norma que regulamentem suas atividades, salvo a autorregulação do próprio setor.

Ademais, o art. 47 do Protocolo Adiciona I à Convenção de Genebra de 1949 impõe tantos requisitos, que juridicamente é difícil enquadrar alguém como mercenário; é neste contexto que operam as CPMs.

Bastante didática a lição de CINELLI:

Apesar de operarem em um domínio militar, eles não são parte das forças militares e permanecem fora da cadeia de comando. São civis, mas não como costumamos enxergar os civis – inocentes expectadores ou não combatentes acompanhando as forças armadas-, já que lhes são atribuídas tarefas militares. Essa ausência de uma definição significa que eles carecem de proteção legal caso sejam capturados pelo inimigo, ou seja, estariam na mesma área nebulosa – segundo uma perspectiva norte-americana – dos ‘combatentes ilegais’ presos em Guantánamo”11.


Política externa e uso de companhias militares privadas

Talvez a falta de regulação destas empresas seja proposital e a expressão-chave para esta conclusão é “permanecem fora da cadeia de comando”, isto significa que os atos praticados pelos empregados das CMPs não podem ser imputados ao Estado.

Cinelli esclarece:

[…] o mais preocupante seja mesmo o problema de controlar e regular as ações desses contratados numa área de conflito onde o sistema legal tenha entrado em colapso e os códigos normais de conduta, existentes em tempos de paz, a eles sejam inaplicáveis. Além disto, como civis, eles não podem ser submetidos a cortes marciais. Após três anos de operações no Iraque, nenhum empregado de CMP havia sido acusado de qualquer crime, o que significa, conforme assinalaram Gutman e col. (2007, p. 337), que ‘ou o mercado encontrou 20.000 perfeitos anjos em meio ao cenário de guerra, ou o hiato jurídico está permitindo que crimes sejam cometidos impunemente’ […] seu emprego não padece dos mesmos riscos políticos envolvidos em baixas de soldados regulares12 13.


A mais famosa CMP, a americana Blackwater, atualmente rebatizada de Academi, é uma empresa militar privada fundada em 1997, que prestou serviço de segurança na embaixada americana em Bagdá, escolta de autoridades no Iraque e operações de apoio ao exército do USA no Oriente Médio, a empresa também possuem atividades na Colômbia, entre outros países.

Há rumores de que a Blackwater tenha operado em plataformas de petróleo administradas por empresas americanas e situadas na plataforma continental brasileira, devidamente licitadas pela ANP. Recentemente surgiram notícias de que a Blackwater tem um plano para colocar 5 mil soldados mercenários na Venezuela para auxiliar o líder da oposição Juan Guaidó a derrubar o Presidente (Ditador) Maduro14.

O Wagner Group é uma empresa militar privada (CMP) cuja missão principal é cumprir missões militares atendendo a políticas externas da Rússia. A WAGNER firmou contrato com o governo sírio, fixando seu pagamento na forma de participação de 25% da produção dos campos de petróleo que, porventura, ela ocupasse. A empresa conduziu operações militares na Ucrânia/Criméia, Síria, República Centro-Africana e Sudão15.

Também circula notícia de que empresas militares privadas que fazem missões secretas para a Rússia realizaram viagens à Venezuela nos últimos dias para reforçar a segurança do presidente Nicolas Maduro16.

Conclui-se que as CMPs são um eficiente e poderoso mecanismo da política externa, como empresas privadas e não tendo laços formais com os governos, operam livre de fiscalização e à margem das leis de guerra, o emprego destas empresas não ocasiona os riscos políticos do emprego de tropas regulares, porém são um enorme risco aos direitos humanos.


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1 Pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul, Procurador do Município de Sorocaba, Advogado, foi policial militar em São Paulo.

2 Conceito extraído da obra de CINELLI, Carlos Frederico. Direito internacional humanitário: ética e legitimidade na aplicação da força em conflitos armados. Curitiba, Juruá, 2011.

3 Aqui no sentido de tratado, convenção, declaração, pacto, protocolo, estatuto, entre outras denominações.

4 Jus cogens são as normas imperativas do Direito Internacional, desenvolvidas por meio de tratados e de costumes internacionais, são cogentes porque observadas por todos os sujeitos de Direito Internacional.

5 Cruz Vermelha: <https://www.icrc.org/pt/doc/resources/documents/misc/6eqnsd.htm> acesso em 06.02.2019.

6 CINELLI, op. cit., p. 91/92.

7 Aqui a palavra combatente é usada em sentido amplo, significando quem combate ou está preparado para combater e não no sentido jurídico do DIH. "combatente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/ combatente [consultado em 07-02-2019].

8 CINELLI, p. 148, citando KALDOR, esclarece que a motivação econômica é inadequada para a guerra, em nome de batalhas humanizadas, os mercenários não são amparados pelo DIH, porque lutam sem “dar quartel” (significa que, numa batalha, não se acolhe o inimigo, mesmo que ele se renda).

9 Alguns usam este argumento para justificar que não são mercenários, porque lutam por outros motivos e não por dinheiro, argumento que não convence, porque, com certeza, também os mercenários devem lutar pela adrenalina e não apenas pelo dinheiro.

10 Rápido encontro entre os elementos avançados de dois exércitos – luta de pequenas proporções.
11 CINELLI, p. 153.

12 Idem, p. 152.

13 Apesar desta constatação, em 2015 um ex-agente da empresa de segurança privada Blackwater foi sentenciado à prisão perpétua e outros três receberam penas de 30 anos de prisão pelo massacre ocorrido em 2007 no Iraque – noticia do G1, acesso em 18.05.2019 em: .

14 Estadão – acesso em 18.05.2019, disponível em: .

15 DEFESANET – acesso em 18.05.2019, disponível em: .

16 O GLOBO – acesso em 18.05.2019, disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/mercenarios-ligados-ao-kremlin-viajaram-venezuela-23401719.

domingo, 7 de outubro de 2018

Tribunal de Justiça decide que trabalho de Policial Militar em “bico” de segurança privada não configura improbidade administrativa


CELSO TARCISIO BARCELLI1




A base constitucional para a responsabilização pelos atos de improbidade administrativa encontra-se no § 4.º do art. 37 da Constituição Federal.

Confira-se:


Art. 37 [….]

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.


O texto constitucional não define improbidade administrativa, limita-se a enumerar sanções que devem ser aplicadas, deixando a cargo da norma infraconstitucional a definição dos atos de improbidade, no caso é a Lei Federal Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992, que traz as definições de improbidade.


Assim, improbidade pode ser compreendida como: “ato ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração Pública”2.


De forma geral os atos de improbidade podem ser praticados contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.


Também são punidos atos praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual (art. 1º, da Lei de Improbidade Administrativa)


Em regra respondem por ato de improbidade os agentes públicos.

O art. 2º da Lei de Improbidade traz uma definição genérica e abrangente de agentes públicos, a saber: reputa-se agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades descritas no art. 1º.


Sendo assim, o conceito abrange agentes políticos, servidores públicos (estatutários, trabalhistas ou celetistas e temporários) e particulares em colaboração.

A polêmica se instala quanto aos agentes políticos, na Reclamação 2.138/DF o Supremo acolheu o entendimento de que os agentes políticos submetem-se às regras específicas do crime de responsabilidade, na forma dos arts. 52, I, 85, V, e 102, I, "c", da Carta da República, assim eles responderiam com base na legislação especial, que versa sobre os crimes de responsabilidade, não lhes sendo aplicável a Lei 8.429/1992.


Terceiros, que não sejam agentes públicos, podem responder por improbidade nas seguintes hipóteses: (a) a pessoa induz um agente público a praticar ato de improbidade; (b) ela pratica um ato de improbidade junto com um agente público ou; (c) ela se beneficia de um ato de improbidade. Destaca-se que sem a participação do agente público o terceiro não comete improbidade.


Quanto à tipificação esclarece a doutrina:


A tipificação dos atos de improbidade administrativa é, em regra, aberta e o rol de condutas elencadas para sua configuração é exemplificativo, pois os arts. 9.°, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, ao elencarem determinadas condutas que são tipificadas como atos de improbidade, utilizam-se da expressão “notadamente”, o que demonstra que outras condutas também podem ser enquadradas nos referidos tipos de improbidade3.


A técnica empregada nos arts. 9.º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992 foi a de apresentar, no caput de cada qual, uma descrição conceitual dos atos de improbidade administrativa que compõem a categoria a que o artigo se refere e, exemplificativamente, enumerar, em incisos, diversos atos ou condutas (comissivas e omissivas) nele enquadradas4


Em suma, os ato de improbidade são previstos nos arts. 9.° (enriquecimento ilícito), 10 (dano ao erário), 10-A (concessão ou aplicação indevida de beneficio financeiro ou tributário) e 11 (violação aos princípios da Administração) da Lei 8.429/1992. Também há o art. 52 da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), direcionado exclusivamente aos Prefeitos.


Por fim, alguns tipos legais exigem que a conduta seja cometida com dolo, ao passo que outras admitem a tipicidade também em virtude de culpa. Destarte, deve haver dolo nos casos dos arts. 9º e 11, e ao menos da culpa nas hipóteses do art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa.


Pois bem.


Estabelecidas estas premissas, vamos ao decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


Ministério Público do Estado de São Paulo moveu ação em face de Policial Militar alegando que o PM cometeu ato de improbidade administrativa consistente na prestação de serviço de segurança particular, uma vez que, na qualidade de policial militar, estava impedido de prestar serviços na área privada, nos termos do art. 8º, incisos IX, XIII e XXXV e art. 13, p. único, item 26 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, tudo tipificado no art. 11, caput, e inciso I, da Lei nº 8.429/92.


A Corte Paulista decidiu que não há improbidade na prática do “bico” de segurança privada, porque o ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei 8.429/92, exige a presença do elemento doloso, uma vez que ilegalidade não é sinônimo de improbidade, bem como a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador.


Esclareceu o Tribunal que o réu prestou os serviços de segurança privada nos dias de folga e sem se valer do aparato da Polícia Militar, a fim de aumentar a renda sabidamente diminuta dos policiais, ficando afastada a existência de vontade dirigida para a transgressão, de forma que é impossível a elevação do ato de prestação de serviços de segurança privada para o grau de ímprobo.


O bico é ilegal, configura inflação disciplinar, porém não tipifica ato de improbidade administrativa, notadamente porque a própria Polícia Militar regulamentou o denominado “bico oficial” no qual os policiais militares são autorizados a fazer hora extra no policiamento urbano (vide por exemplo as operações delegadas em parceiras com os Municípios).


Confira-se a decisão:


Apelação Cível – Ato de Improbidade Administrativa – Policial Militar que, nos dias de folga, e sem se valer do aparato da Corporação, prestou serviços de segurança privada – Conduta punida na esfera disciplinar - Ilegalidade não erigida à improbidade – Ausência de dolo na conduta – Sentença de improcedência mantida – Recurso desprovido.

(TJSP; Apelação 1039744-64.2016.8.26.0053; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/08/2018; Data de Registro: 06/08/2018)


Andou bem a justiça paulista, vez que o próprio Estado vem regulamentando, por meio da Lei Complementar 1.227/13 (DIRETRIZ PM3-002/02/16 - DEJEM), o “bico”, autorizando policiais a trabalhar nos horários de folga.


Existe também a Atividade Delegada, um convênio firmado entre as prefeituras e a Secretaria da Segurança Pública, que permite aos policiais militares desempenharem suas funções nos dias de folgas.


Portanto, a trabalho extraordinário do policial nos horários de folga em nada prejudica o serviço policial-militar, uma vez que a própria Polícia Militar autoriza o trabalho extra.

Deste modo, quando o PM exerce atividade de segurança privada nos dias de folga, sem se valer do aparato da Polícia Militar, com o objetivo de aumentar a renda, não pratica improbidade, porque não exite vontade de enriquecer ilicitamente, não causa prejuízo ao erário e não há intensão de violar os princípios da administração pública.

Nestes casos, há mera irregularidade suficientemente punível pelos regulamento disciplinar da Polícia Militar.




BIBLIOGRAFIA


Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado I Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.


Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.


Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.



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1 Pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul, Procurador do Município de Sorocaba, Advogado, foi policial militar em São Paulo.
2 Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 977.
3 Oliveira, op. cit., p. 979.
4 Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado I Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 1101.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Julgados do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo


Olá amigo leitor,

No presente trabalho estamos trazendo alguns julgados que entendemos serem interessantes e que foram extraídos do Diário Eletrônico de Justiça do TJMSP.

A intenção é periodicamente selecionar e trazer estes julgados em formato similar a informativos.

Os julgados nem sempre serão do mesmo Dje.

Seguem, então, nossa primeira seleção de julgados:



Execução Penal

Habeas Corpus. Execução Penal. Regressão de regime. Cautelar. Regime fechado. Falta grave. Prévia oitiva do sentenciado. Constrangimento ilegal. Alegado. Ilegalidade. Abuso de poder. Inexistentes. Ordem denegada.

A regressão cautelar de regime prescinde da oitiva prévia do sentenciado. Tal formalidade é exigida apenas para a regressão definitiva, que não é o caso. Basta a notícia da prática de fato definido como crime.

(TJMSP – HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº 0900036-09.2018.9.26.0000, RELATOR: PAULO ANTONIO PRAZAK, Djme 26.03.2018, p. 7).


EXECUÇÃO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. FALTA GRAVE. REGRESSÃO CAUTELAR DE REGIME. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO OU CONCLUSÃO DO PAD. REGRESSÃO PARA UM REGIME MAIS GRAVOSO DO QUE O ESTABELECIDO NA SENTENÇA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Em se tratando de regressão cautelar, não é necessária a prévia instauração ou conclusão do procedimento administrativo – PAD e a oitiva do sentenciado em juízo, exigíveis apenas no caso de regressão definitiva. Inaplicabilidade do enunciado sumular 533 desta Corte.

2. Nos termos do art. 118 da Lei de Execução Penal, a execução da pena privativa de liberdade está sujeita à forma regressiva, com a transferência para um regime mais rigoroso do que o estabelecido no édito condenatório, o que não configura constrangimento ilegal. 3. Recurso a que se nega provimento. (grifei)

(RHC 92446/BA – Relatora: Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – SEXTA TURMA – Julgamento: 08/02/2018 – DJe 19/02/2018)



Processo Administrativo Disciplinar


O julgado a seguir não é recente, o feito está em fase de execução, porém acreditamos que o caso é interessante.


Provas

É vedado ao Poder Judiciário a reavaliação de provas produzidas na seara administrativa, sob pena de ferimento à independência das esferas. (Apelação nº 2.569/11. Rel. Juiz Avivaldi Nogueira Júnior, 2ª Câmara, j. 02.04.12, v. u.)

Não se é permitido à parte reinaugurar, no processo judicial (ainda que em sede de Ação Ordinária, como é o caso) nova instrução probante sobre os fatos imputados na seara administrativa. Salvo em raras hipóteses em que a Administração Militar tenha indeferido pertinente e necessária pretensão probante do acusado no feito disciplinar (Apelação Cível nº 0000480-12.2015.9.26.0020 (3.872/16) – Rel. CLOVIS SANTINON, 2ª Câmara, j. 28.07.16, v. u.)


Teoria dos Motivos Determinares


Policial Militar foi acusado de ter trabalhado mal, por ter constatado loteamento irregular durante atividade de fiscalização ambiental e não adotar as providências cabíveis, o Tribunal Castrense afastou a acusação porque entendeu que da leitura dos dispositivos do art. 50 e seguintes da Lei 6.766/79 depreende-se que os delitos ali tipificados exigem, para sua constatação, que o agente fiscalizador tenha absoluta ciência da inexistência de autorização dos órgãos competentes ou, se existente a licença, que o desenvolvimento da atividade esteja em desacordo com aquela. Evidentemente, tal ciência não se revela necessária para o patrulhamento ambiental, atividade fim do policiamento ambiental. Evidenciado que a imputação transgressional não ficou comprovada, tornando-se, pois, imprestável para funcionar como motivo para a edição do ato administrativo exclusório.


No mesmo julgado, o miliciano foi acusado de ter lançado Auto de Infração Ambiental em desfavor do administrador da Fazenda e não contra o verdadeiro possuidor da gleba; a Corte Militar Bandeirante também afastou esta acusação, sob o argumento de que as normas ambientais não limitam a responsabilidade pelo ilícito ambiental somente ao proprietário, mas a todo autor direto da infração, se somente o proprietário de direito fosse o responsável pela infração ambiental, o Policial Militar em seus patrulhamentos deveria, uma vez constatada irregularidade, pedir ao infrator a certidão de matrícula do imóvel, devidamente atualizada e com todos os registros e averbações necessários, para somente então poder executar o seu mister, o que parece absolutamente despropositado, senão surreal.


O TJMSP aplicou a teoria dos motivos determinantes, uma vez que não constatados os fatos que fundamentaram a decisão exclusória, declarando nula a decisão que expulsou o militar das fileiras da corporação, determinado a reintegração do policial com o pagamento de todos os direitos trabalhistas que faria jus se não tivesse sido expulso, bem como computo do tempo de serviço para todos os fins de direito. (Apelação Cível nº 0000480-12.2015.9.26.0020 (3.872/16) – Rel. CLOVIS SANTINON, 2ª Câmara, j. 28.07.16, v. u.)


Explicando a teoria


Esclarecem Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:


A denominada teoria dos motivos determinantes consiste em, simplesmente, explicitar que a administração pública está sujeita ao controle administrativo e judicial (portanto, controle de legalidade ou legitimidade) relativo à existência e à pertinência ou adequação dos motivos - fático e legal - que ela declarou como causa determinante da prática de um ato. Caso seja comprovada a não ocorrência da situação declarada, ou a inadequação entre a situação ocorrida (pressuposto de fato) e o motivo descrito na lei (pressuposto de direito), o ato será nulo. A teoria dos motivos determinantes aplica-se tanto a atos vinculados quanto a atos discricionários, mesmo aos atos discricionários em que, embora não fosse obrigatória, tenha havido a motivação1.


Carvalho Filho aponta:


Desenvolvida no Direito francês, a teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato2.


Rafael Carvalho Rezende resume com maestria: De acordo com essa teoria, a validade do ato administrativo depende da correspondência entre os motivos nele expostos e a existência concreta dos fatos que ensejaram a sua edição 3.


Portanto, no julgado acima, o Tribunal Militar entendeu que os fatos que ensejaram a exclusão do militar das fileiras da corporação não existiram, declarando nula a decisão que expulsou o Policial Militar.






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1 Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado/ Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro : Forense; São Paulo : MÉTODO, 2017, p. 555.

2 Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 108.

3 Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 419.