domingo, 20 de julho de 2014

Sobre as diferenças entre o Código Penal Castrense e o Código Penal Comum: Erro de Fato, Erro de Direito, Erro de Tipo e Erro de Proibição





CELSO TARCISIO BARCELLI[1]



Resumo

O presente trabalho tem como escopo trazer breves considerações sobre as diferenças entre o erro de fato e de direito do Código Penal Militar e os institutos do erro de tipo e de proibição do Código Penal Brasileiro, pugnando ao final pela modernização dos vetustos institutos presente no Código Castrense.

Palavra chave: Polícia Militar. Forças Armadas. Erro de Fato.



Introdução

O Código Penal Militar trabalha com dois institutos envelhecidos, trata-se do erro de fato e do erro de direito.

O Código Penal Comum foi modernizado na reforma de 1984, o erro de fato e de direito foram substituídos pelo erro de tipo e de proibição.
Deste modo, existem similitudes entre os institutos castrenses e da legislação comum, no entanto existem também diferenças.

Fato é que o legislador pátrio costuma esquecer a lei penal militar quando promove as reforma na lei penal comum, como resultado, os códigos militares têm sofrido com a desatualização perante os avanços da sociedade.

Neste contexto, entendemos salutar que o legislador promova uma reforma na lei penal militar para que ela acompanhe a modernização da lei penal comum, respeitado sempre os pilares da legislação castrense, quais sejam, a hierarquia e disciplina.

1- Código Penal Militar
1.1 - O Erro de Fato

Nos termos do art. 36 do Código Penal Militar, o agente é isento de pena quando, por erro plenamente justificável, cometer um crime supondo a inexistência de fato que constitui o crime, ou supor a existência de fato que tornaria a ação legítima.[2]

São duas as modalidades, a saber: 

I- o agente erra no tocante ao fato que constitui o crime, por exemplo, o individuo leva consigo um celular que não lhe pertence, mas que é muito parecido com o seu, neste caso o sujeito acredita fielmente que está carregando o seu telefone móvel, quando em verdade leva o de outrem, essa falsa percepção da realidade exclui o dolo da conduta do agente;

II – na segunda hipótese, o agente acredita na existência de uma situação de fato que tornaria sua ação legítima, como ocorre, por exemplo, na legítima defesa putativa, aqui o sujeito acredita que a vítima se encontra armada e prestes a efetuar um disparo, por esta razão o agente efetua primeiro o disparo acertando a vítima[3], o sujeito acredita na existência de causa de justificação que não é real, mas, sim, produto de sua falsa percepção da realidade dos fatos.

Em qualquer uma das hipóteses acima, se comprovado o erro invencível, fica excluído o dolo, restando isento de pena o agente.

Porém, se o erro pudesse ser evitado com as devidas cautelas, ou seja, se era possível com atenção comum inteirar-se das circunstâncias reais do fato, e por imprudência ou negligência o agente não o fez, portanto o erro decorre de culpa, a este título responde o sujeito, se houver previsão de punição na forma culposa, tudo consoante o § 1º do art. 36 do CPM.

1.2 - Erro de Direito

No erro de direito, uma pessoa por falta de conhecimento, ignorância, ou mesmo por uma interpretação equivocada da lei, acredita que agiu de acordo com o ordenamento jurídico, pensando ser licita sua conduta, quando, na verdade, era ilícita.[4]

A ignorância é a falta completa de conhecimento da lei, o erro é o conhecimento falso, o erro e a ignorância no direito penal têm o mesmo significado.[5]

O erro de direito, se escusável, apenas atenua ou substitui a pena por outra menos grave, conforme art. 35 do CPM; não se aplica o instituto quando o crime for contra o dever militar.


2 – Código Penal Comum
2.1 – Erro de Tipo

É o erro que recai sobre algum elemento do tipo penal (art. 20 do Código Penal); pode incidir sobre as elementares ou circunstâncias da figura típica, bem como nos pressupostos fáticos de uma causa de justificação da conduta, por exemplo, ocorre o erro de tipo quando um caçador atira em direção de um arbusto acreditando que ser um animal bravio, mas, na verdade, tratava-se de outro caçador que vem a falecer, neste caso, a falsa percepção da realidade recaiu sobre a elementar “alguém” descrita no tipo penal do art. 121 do CP, vale dizer, o caçador pensou atirar em um animal e não em “alguém” (outro ser humano).[6]

O erro pode também incidir sobre uma causa de justificação (§ 1º do art. 20, do CP), é o exemplo, já citado aqui, do o sujeito acredita que a vítima se encontra armada e prestes a efetuar um disparo, por esta razão o agente efetua primeiro o disparo acertando a vítima – trata-se da legítima defesa putativa (erro permissivo ou discriminante putativa); pode ocorrer, ainda, caso de estado de necessidade putativo, estrito cumprimento do dever legal putativo e exercício regular do direito putativo.

O erro sobre elementar do tipo exclui o dolo, pois o sujeito não sabe que executa o tipo penal, porém admite punição por crime culposo, se erro decorre de culpa e existir modalidade culposa prevista em lei.

Já o erro sobre uma causa de exclusão da ilicitude isenta o réu de pena, todavia não existe isenção de pena se o erro deriva de culpa e o crime é punível como culposo.

2.2 – Erro de Proibição

No art. 21 do Código Penal o legislador pátrio consignou que o desconhecimento da lei é inescusável, uma vez publicada, a lei alcança toda sociedade.

Contudo, desconhecer a lei é diferente de falta de consciência da ilicitude do fato. No primeiro caso, o sujeito desconhece a lei, porém pode intuir que a conduta é injusta; já na segunda hipótese, o sujeito desconhece que o fato praticado é criminoso, supondo ser permitido.[7]

No erro de proibição o desacerto incide sobre a licitude do fato, o agente acredita na inexistência de proibição, fica excluída a culpabilidade.

Assim sendo, se o erro for invencível o agente fica isento de pena; se o erro é evitável a pena é atenuado de um sexto a um terço (art. 21, parágrafo único, do CP).

Aqui também incidem as hipóteses em que o agente acredita na existência da causa de exclusão da ilicitude que, na verdade, não existe, como por exemplo, o marido que mata a mulher e o amante acreditando que exista excludente de legítima defesa da honra; ou o caso do sujeito que extrapola os limites da excludente de ilicitude, por exemplo, o agente que, agindo em legítima defesa, após repelir a injusta agressão, passa a acatar seu algoz chegando a matá-lo e acreditando que a sua conduta exagera é legítima.

3 – Comparando os institutos

Existem similitudes nos institutos descritos nos códigos, por exemplo, o conceito de erro invencível e erro vencível (aquele que pode ser evitado com as devidas cautelas). No entanto, também existem diferenças, abaixo elencamos algumas delas.

Erro de fato: exclui o dolo, o fato é típico porque no CPM o dolo está na culpabilidade, porém o réu é isento de pena, ao usar o termo “é isento de pena...” o Código Castrense aponta para a exclusão da culpabilidade.

Erro de tipo: excluí o dolo e culpa se invencível – no Código Penal Comum dolo e culpa integram o tipo penal (teoria finalista) -, logo o fato é atípico; se vencível exclui o dolo admitindo punição por culpa se houver tipo culposo.

Quanto às descriminais putativas haverá isenção de pena tanto no CP quanto no CPM, admitida a punição por culpa.

No erro de direito, ainda que invencível, apenas há redução da pena. A Crítica fica por conta da punição sem culpabilidade, pois o agente age sem dolo, o dolo, no CPM, está na culpabilidade, se o sujeito erra ao interpretar a lei, age sem dolo. 

Assim, sobre o erro de direto, “Jorge césar de Assis afirma que há fortes argumentos para contrariá-lo, pois no Direito Penal brasileiro vige a culpabilidade, não podendo haver pena sem culpa (nulla poena sine culpa).”[8]


No erro de proibição há exclusão da culpabilidade, o agente fica isento de pena, é punível apenas se o erro for evitável tomando-se atenção comum.
Ademais, a doutrina critica os antiquíssimos institutos do erro de fato e erro de direito, pois a distinção entre eles gera dificuldade.

Não é fácil distinguir entre uma situação de fato e o erro sobre a lei; aproveitando o caso aqui já citado, quando caçador atira em direção de um arbusto acreditando ser um animal, mas, na verdade, tratava-se de outro caçador, existe erro de fato porque o sujeito tem falsa percepção da realidade, é também erro de tipo, pois o erro recai sobre a elementar “alguém” do tipo do art. 121 do CP, já que o agente acreditava atirar em animal e não em “alguém”; contudo, quando o elemento do tipo é normativo, por exemplo, a elementar “funcionário publico” do art. 333 do CP – correspondente ao art. 309 do CPM – há erro de tipo, todavia na classificação antiga é erro de direito, pois o agente errou quanto à interpretação do que seja funcionário público, conceito descrito no art. 327 do CP[9].

Estes são nossos apontamentos, que não objetivam por fim ao assunto, mas, sim, trazer apenas algumas observações sobre o erro de fato e de direito descrito no Código Castrense.

Por fim, dada diversas discrepâncias encontradas entre a lei penal comum e militar - fruto das constantes reformas da legislação penal comum - cremos que já é hora do legislador nacional se lembrar dos Códigos Penal e de Processo Penal Castrense e promover uma reforma para aproximá-lo mais da legislação comum, no que couber.




Referências Bibliográficas


ANDREUCCI, Ricardo Antonio – Minicódigo penal anotado – 4. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010.

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues – Código penal militar comentado – artigo por artigo – Belo Horizonte; Ed. Líder, 2009.

ROSSETO, Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. 

DIAS, Priscilla Dellano Rangel. Comparação entre o instituto do erro no Código Penal e no Código Penal Militar. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: .



[1] Procurador do Município de Sorocaba; Foi Policial Militar em São Paulo; Bacharel em Direito; Aluno da pós-graduação em Direito Militar da Universidade Cruzeiro do Sul.
[2] ROSSETO, Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 200.
[3] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues – Código penal militar comentado – artigo por artigo – Belo Horizonte; Ed. Líder, 2009, p. 76/77
[4] Idem, p. 75.
[5] ROSSETO, Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 195.
[6] ANDREUCCI, Ricardo Antonio – Minicódigo penal anotado – 4. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 74/75.
[7] Idem, p. 79/80.
[8] DIAS, Priscilla Dellano Rangel. Comparação entre o instituto do erro no Código Penal e no Código Penal Militar. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: . Acesso em maio 2014
[9] ROSSETO, Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 196

domingo, 6 de julho de 2014

Direito Administrativo: princípio da padronização e eleição de marca no processo licitatório.





CELSO TARCISIO BARCELLI[1]




Decidimos tecer alguns comentários a respeito do princípio da padronização e a eleição de marca nos processos licitatórios; é um tema que foge do nosso Direito Militar, porém resolvemos trazer algumas considerações sobre o assunto, pois é um tema interessante para quem atua no Direito Administrativo, com o qual nos confrontamos recentemente.

Pois bem, vamos ao tema objeto de nossas considerações.

Segundo a Doutrina a padronização é um dos princípios da licitação.

Assim, o art. 15, inc. I, da Lei 8.666/93 estabelece que sempre que possível as compras devem atender à padronização, com especificações técnicas e de desempenho.

A ideia é que em todas as aquisições de bens sejam observadas regras que levem a adoção de um modelo, um “estander”, um padrão que, vantajosamente, possa satisfazer às necessidades da administração; o intuito é evitar a aquisição de bens diferentes nos seus componentes[2]; na nossa compreensão: o que a lei deseja é evitar a incompatibilidade de equipamentos, maquinários etc.; portanto, no ato convocatório (Edital de Licitação) a administração deve indicar as características técnicas uniformes do bem.

A padronização pode levar, em alguns casos, à indicação de marcas (bens), raça (animais) ou tipo (alimento); porém, a padronização de marcas só é possível em casos excepcionais, quando restar provado incontestavelmente que apenas aquele produto, de determinada marca, atende as necessidades de Administração[3].

A escolha de uma marca deve ocorrer apenas após prévia justificativa, fundamentada em estudos, laudos, perícias e pareceres técnicos; é vedada a padronização para prejudicar ou beneficiar fornecedores ou padronizar por padronizar, as vantagens da escolha devem restar clara e cabalmente comprovadas, sob pena de violação à licitação e responsabilização do administrador[4].

Desta maneira, a padronização deve ser objeto de um processo administrativo, aberto e instruído com toda transparência e conduzido por uma comissão de padronização[5].

A comissão de padronização deve ser composta por membros com habilitação compatível com a comissão que integram; podem pertencer ou não à Administração Pública e ser assessorados por técnicos da área que se pretende padronizar; composta por normalmente três membros nomeados por decreto ou portaria que determina a finalidade, poderes e prazos de trabalho, aplicando-se, no que couber, os regramentos da comissão de licitação[6].

O processo administrativo de padronização deve ser instruído com tudo o que possa comprovar a vantagem da escolha da marca (laudos, pareceres técnicos, atestados, informações sobre os produtos existentes no mercado); todas as vantagens da padronização devem ser contrastadas com as desvantagens; o processo de padronização não é contencioso, não há que se admitir vários produtores cada qual peticionando no processo para defender o seu produto; o processo de padronização visa convencer a administração técnica e fundamentadamente da necessidade da eleição de uma marca[7].

Finalizado a instrução do processo de padronização a comissão deverá elaborar relatório concluindo pela possibilidade ou impossibilidade da padronização.

O relatório deverá ser remetido à autoridade competente para instituir a padronização; a autoridade poderá acolher o relatório, devolve-lo à comissão para diligência ou arquivar o processo.

Se a autoridade decidir pela padronização deve fazer publicar um decreto (no caso do poder Executivo) instituindo o padrão, somente após a publicação deste ato é que a administração está autorizada a adquirir o bem padronizado.

A padronização com a escolha de marca não leva por si só a dispensa ou inexigibilidade de licitação, para tanto deverão ser observadas as disposições da lei de licitação.


Bibliografia

GASPARINI, Diogenes - Direito Administrativo – 17ª edição, - São Paulo: Saraiva, 2012.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de – Licitações e Contratos Administrativos, teoria e prática – RJ: Forense; SP: Método, 2012.


[1] Procurador do Município de Sorocaba; Foi Policial Militar em São Paulo; Bacharel em Direito; Aluno da pós-graduação em Direito Militar da Universidade Cruzeiro do Sul.

[2] GASPARINI, Diogenes - Direito Administrativo – 17ª edição, - São Paulo: Saraiva, 2012, p. 536/537.

[3] RAFAEL CARVALHO REZENDE DE OLIVEIRA – Licitações e Contratos Administrativos, teoria e prática – RJ: Forense; SP: Método, 2012, p. 44/45; no mesmo sentido GASPARINI (p. 537).
                                                                                                       
[4] GASPARINI (p. 537.)

[5] Idem

[6]Ibidem, p. 537.

[7]Ibidem, p. 538.