quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Crimes contra o serviço militar: sobre a insubmissão



CELSO TARCISIO BARCELLI[1]


Resumo

A intenção deste trabalho é colaborar com a propagação do verdadeiro papel da Justiça Militar. Pouco conhecida da população em geral, apesar de ser a mais antiga do País. Deste modo vamos apresentar algumas considerações sobre o crime de insubmissão, que pode ser cometido apenas por civis e é julgado perante a Justiça Militar da União.

Palavra chave: Justiça Militar. Forças Armadas. Crime Militar. Insubmissão.



Introdução

A Justiça Militar e os crimes militares são ilustres desconhecidos para a maior parte da sociedade brasileira, embora a Justiça Castrense tenha sido a primeira a ser instituída no Brasil.

Quando se fala em Justiça Militar, por influência da mídia, logo se pensa em corporativismo e que somente militares respondem perante esta justiça especializada, pensamento, obviamente, equivocado quando se trata da Justiça Militar da União.

Pois bem, a Justiça Militar, duramente atacada pelo ilustre presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, julga crimes militares, o que implica em julgar civis e militares que cometem este tipo de delito.

Cremos que o eminente Ministro Joaquim Barbosa se equivocou na sua análise da Justiça Militar, examinou apenas o número de processos julgados, sem, contudo, avaliar a importância desta Justiça Especial, que tem como objetivo tutelar os bens jurídicos afetos as Forças Armadas.

Todos sabem que uma nação não é soberana se não dispuser de uma tropa bem treinada e adestrada para sua proteção, é neste contexto que se reconhece a grande importância da Justiça Militar, uma vez que sua missão é manter íntegros os pilares de sustentação das Forças Armadas (hierarquia e disciplina) através da aplicação da Lei Militar e punido aqueles que violem esta norma pondo em risco as instituições militares.

Em tempos de Boinas Verdes, “Delta Force”, “Seal Team Six”, “Shayetet 13” entre tantas outras forças especiais, ganha força a importância cada vez maior dos exércitos profissionais.

Mas não se pode duvidar da importância de se manter um corpo de reservistas, pois em momentos de graves crises pelos quais já passou a humanidade apenas forças especializadas não são capazes de dar a resposta almejada na proteção da nação.

De tal sorte que a Constituição da República estabelece o dever de todos colaborarem com a defesa da pátria via serviço militar obrigatório (art. 143 da CF).

Neste prisma, o art. 183 do Código Penal Militar prevê o crime de insubmissão que pune aqueles que violam o dever de prestar serviço militar.

Crime este que somente pode ser cometido por civil e é julgado pela Justiça Militar da União.

Daí decorre a importância do nosso trabalho, trazendo ao conhecimento do público as premissas deste delito, desmistificando a ideia de que somente militares responde perante a Justiça Militar e demonstrando a missão máxima desta Justiça Especial que é tutelar os pilares das instituições militares e por consequência a proteção da soberania da nação.

 1- Do serviço militar obrigatório

Esclarece José Afonso da Silva que todas as Constituições brasileiras trouxeram normas das obrigações dos brasileiros relativas à defesa da pátria. Porém somente após a campanha idealizada pelo poeta Olavo Bilac em favor do serviço militar obrigatório para aqueles que se revelassem aptos, via recrutamento anual e dentro dos limites dos efetivos estabelecidos em lei, é que foi criada a obrigação de servir nas Forças Armadas.[2]

De tal modo, o art. 143 da Constituição Cidadã de 1988 manteve o serviço militar obrigatório na forma da lei.

O Serviço Militar consiste no exercício de atividades específicas, desempenhadas nas Forças Armadas - Marinha, Exército e Aeronáutica. [3]

Em tempo de paz é possível a prestação de serviço alternativo, bem como as mulheres e os eclesiásticos ficam isento do serviço militar, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.

Vejamos o dispositivo constitucional:

“Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.
§ 1º - às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.
§ 2º - As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.”


Na lição de Uadi Lammêngos Bulos, o serviço militar é obrigatório porque é oneroso e ninguém, nem por condição religiosa ou social, pode deixar de cumprir esta obrigação [4]

Neste sentido leciona José Afonso da Silva:

“Justifica-se, porém, a determinação constitucional, pois se trata de obrigação sumamente onerosa, não só por afastar o indivíduo do seio da família e de suas atividades, como por exigir, às vezes, o tributo da própria vida.” [5]

Consoante o § 1º do aludido comando constitucional, em tempos de paz, os alistados podem alegar imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar, é a chamada escusa de consciência, todavia quem alega escusa de consciência deve prestar serviço alternativo atribuído pelas Forças Armadas na forma da lei.

Os serviços alternativos são atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar.[6]
Cabe apontar que aquele que se negar a prestação do serviço militar obrigatório ou à obrigação alternativa fica sujeito a perda dos direitos políticos, conforme art. 15, IV, da Constituição. 

Destaca-se que as mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos a outros encargos atribuídos por lei.


2 – Do crime de Insubmissão

Ensina José Afonso da Silva que lutar pela sobrevivência da pátria contra qualquer inimigo, mais que uma obrigação descrita na Constituição, é um dever ético de cada membro da comunidade nacional.[7]

Assim sendo, o crime de insubmissão é descrito no tipo do art. 183 do Código Penal Militar, a norma legal visa dar maior proteção a este dever ético de defesa da pátria em harmonia com o art. 143 da Constituição Federal, portanto o dispositivo tutela o Serviço Militar.

Transcrevemos o tipo legal:

“Art. 183. Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação:
Pena - impedimento, de três meses a um ano.
Caso assimilado
§ 1º Na mesma pena incorre quem, dispensado temporàriamente da incorporação, deixa de se apresentar, decorrido o prazo de licenciamento.
Diminuição da pena
§ 2º A pena é diminuída de um têrço:
a) pela ignorância ou a errada compreensão dos atos da convocação militar, quando escusáveis;
b) pela apresentação voluntária dentro do prazo de um ano, contado do último dia marcado para a apresentação.”

Levando em conta a doutrina clássica, que entende que crime propriamente militar é aquele que pode ser cometido apenas por militar, o delito seria impropriamente militar, pois só pode ser cometido pelo civil convocado e não por militar, no entanto mesmos os clássicos entendem que é crime propriamente militar, constituindo uma exceção a regra, principalmente pelo disposto no art. 464, § 2º, do Código de Processo Penal Militar.

Adotando a doutrina penal comum, que entende que crime propriamente militar é aquele que possuem definição no CPM diversa da lei penal comum ou nela não previsto, o delito seria propriamente militar, uma vez que só é previsto no Código Penal Militar sem correlato na Lei Penal comum (art. 9º, I, do CPM).

Paulo Tadeu Rodrigues Rosa argumenta que o crime só pode ser cometido por pessoa do sexo masculino, já que não existe serviço militar obrigatório para mulheres.[8]

Portanto, o sujeito ativo do delito é o civil selecionado e convocado à incorporação[9] que não se apresenta no prazo marcado, ou quem depois de se apresentar se ausenta antes do ato de incorporação.

O jovem que não se apresenta para seleção ou se ausenta antes de completá-la é considerado refratário[10]. O sujeito passivo é a instituição militar.

Cabe observar que o crime é inexistente no âmbito das Polícias Militares e corpos de Bombeiros Militares, pois não existe serviço militar obrigatório nas Forças Militares Estaduais.[11]

Insubmissão significa desobediência; o tipo objetivo prevê três modalidades de insubmissão[12], a saber:

a) na primeira, o convocado para incorporação deixa de se apresentar à Instituição Militar no prazo que lhe foi determinado;

b) na segunda, o convocado se apresenta no prazo determinado, mas, logo depois, ausenta-se antes da formalização do ato oficial de incorporação;

c) o § 1º do artigo em comento traz a terceira hipótese, trata-se do caso assimilado, que alcança aquele que, dispensado temporariamente da incorporação, deixa de se apresentar, findo o prazo de licenciamento.

A polêmica se instaura quanto ao Tiro de Guerra.

Para o Supremo Tribunal Federal a falta de matrícula em Tiro de Guerra não configura o delito dada revogação pelo CP Militar de 1969 do art. 25 da Lei do Serviço Militar (Lei 4.735/64), de modo a reduzir a incriminação à falta de apresentação do convocado para incorporação, mas não para a matrícula, porque os institutos são diferentes, na incorporação há a inclusão do convocado na Força, contudo na matrícula o convocado é apenas admitido para freqüentar curso de formação de reserva; segundo argumenta-se o matriculado em Tiro de Guerra não é militar para efeitos da lei penal militar, já que se quer ocupa posto ou graduação (RHC 77272, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/09/1998, DJ 06-11-1998 PP-00033 EMENT VOL-01930-01 PP-00190). 

O Superior Tribunal Militar já decidiu em sentido contrário; vejamos:

HABEAS CORPUS. INSUBMISSÃO. MATRÍCULA EM TIRO DE GUERRA. Comete, em tese, crime de insubmissão, o convocado para prestar o serviço militar em Órgão de Formação de Reserva, entre os quais se incluem os Tiros de Guerra, que deixar de atender a essa convocação. Precedentes da Corte. Ordem denegada. Decisão unânime.
(Num: 1998.01.033321-5 UF: SP Decisão: 24/03/1998
Proc: HC - HABEAS CORPUS Cód. 180)

O elemento subjetivo “é o dolo, a vontade livre o consciente de não prestar o serviço militar, não há forma culposa. O civil, para ser considerado insubmisso, deve saber o dia, a hora e o local da apresentação para a incorporação, nos termos da Súmula 7 do STM.” [13]

A consumação ocorre quando o convocado não comparece à Instituição Militar no limite do tempo que lhe foi concedido para tal ou quando se ausenta, tendo já se apresentado para a incorporação que ainda não foi oficializada.

Não é possível tentativa, porque o crime é omissivo na primeira hipótese e de mera conduta na segunda.

A pena descrita no preceito secundário é de impedimento, de três meses a um ano.
O impedimento consiste na permanência do condenado em recinto de unidade militar, sem prejuízo da instrução militar.

No § 2º estão previstas duas hipótese de minoração da pena em um terço; uma com base na ignorância ou errada compreensão dos atos da convocação militar, quando escusáveis; a outra é de arrependimento posterior do agente que se apresenta voluntariamente dentro do prazo de um ano, contado do último dia marcado para a apresentação.

3 – Alguns aspectos processuais

Consumado o crime de insubmissão será lavrado o termo de insubmissão (art. 463 do CPPM), referido termo autoriza a prisão do insubmisso (art. 463,§ 1º, CPPM c/c art. 5º, inc. LXI, da Constituição da República).

O termo de insubmissão e os documentos que o acompanham serão encaminhados ao Juiz-Auditor que determinará sua atuação e dará vista do processo, por cinco dias, ao Ministério Público, que requererá o que for de direito, aguardando-se a captura ou apresentação voluntária do insubmisso.

O insubmisso capturado ou que se apresente voluntariamente não será recolhido à prisão, mas será colocado em menagem no quartel, nos termos do art. 464 c/c art. 266, ambos do Código de Processo Penal Militar.

A menagem (art. 263 e seguintes do CPPM) é uma prisão cautelar concedida ao militar ou civil que tenha praticado um crime militar cuja pena privativa de liberdade em abstrato não exceda quatro anos; é um benefício concedido ao acusado para se evitar que este fique em um estabelecimento prisional. [14]

Capturado ou apresentado voluntariamente o insubmisso é submetido à inspeção de saúde; se for considerado apto para o serviço militar será incorporado; se for considerado inapto, o processo é arquivado; a incorporação do insubmisso às Forças Armadas é condição de procedibilidade, sem ela o MP não pode oferecer denuncia.

Não sendo julgado em sessenta dias após a captura ou apresentação o insubmisso é colocado em liberdade.

4 - Conclusão

O crime de insubmissão tem fundamento na Carta da República (art. 143) e é previsto no Código Penal Militar (art. 183).

Tutela o serviço militar.

O serviço militar tem pedra angular no dever ético de cada membro da comunidade nacional para com a defesa da pátria.

Destarte, quem comete o crime de insubmissão viola um dever ético a todos imposto, devendo por conta disto responder no limite de sua culpabilidade na forma da lei.





Referências Bibliográficas

BULOS, Uadi Lammêngo – Direito Constitucional ao alcance de todos. – São Paulo: Saraiva, 2009.
ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues – Código penal militar comentado – artigo por artigo – Belo Horizonte; Ed. Líder, 2009.
ROSSETO, Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da - Curso de Direito Constitucional Positivo-, Malheiros Editores, 30ª edição, 2007.
ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. MENAGEM. In: Artigos Jurídicos - advogado.adv.br. Disponível em:
Acesso em: 08 jun. 2014.


[1] Procurador do Município de Sorocaba; Foi Policial Militar em São Paulo; Bacharel em Direito; Aluno da pós-graduação em Direito Militar da Universidade Cruzeiro do Sul.

[2] SILVA, José Afonso da - Curso de Direito Constitucional Positivo-, Malheiros Editores, 30ª edição, 2007, p 774.

[3] Lei 8.239/1991: “Art. 1º O Serviço Militar consiste no exercício de atividades específicas, desempenhadas nas Forças Armadas - Marinha, Exército e Aeronáutica.  Art. 2º O Serviço Militar inicial tem por finalidade a formação de reservas destinadas a atender às necessidades de pessoal das Forças Armadas no que se refere aos encargos relacionados com a defesa nacional, em caso de mobilização.”

[4] BULOS, Uadi Lammêngo – Direito Constitucional ao alcance de todos. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 561.

[5] SILVA, José Afonso da - Curso de Direito Constitucional Positivo-, Malheiros Editores, 30ª edição, 2007, p. 775.

[6] Art. 3º da Lei 8.239/1991:Art. 3º O Serviço Militar inicial é obrigatório a todos os brasileiros, nos termos da lei. § 1º Ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma da lei e em coordenação com os Ministérios Militares, atribuir Serviço Alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência decorrente de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. § 2° Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar. § 3º O Serviço Alternativo será prestado em organizações militares da ativa e em órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos Ministérios Civis, mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares, desde que haja interesse recíproco e, também, sejam atendidas as aptidões do convocado.”

[7] Idem

[8] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues – Código penal militar comentado – artigo por artigo – Belo Horizonte; Ed. Líder, 2009, p 110.

[9] Nos termos da lei do Serviço Militar (Lei n. 4.375, de 17 de agosto de 1964)

[10] ROSSETO, Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, 578.

[11] O que segundo Rosa (p. 111) deveria ser repensado para busca de uma maior integração entre a sociedade e as Polícias Militares.

[12] ROSSETO, p. 578.

[13] Idem, p. 580

[14] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. MENAGEM. In: Artigos Jurídicos - advogado.adv.br. Disponível em:
Acesso em: 08 jun. 2014.