quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Votação fatiada no “impeachment”

O Senado pode fatiar a votação no impeachment, decidindo pela perda do cargo, porém não aplicando a pena de inabilitação?

Ensina Uadi Lammêgo Bulos que: “Pela Carta de 1988, duas são as consequências jurídicas do processo de impeachment: perda do cargo e inabilitação por 8 anos para exercício de função pública eletiva ou de nomeação (CF, art. 52, parágrafo único)(BULOS, Uadi Lammêngo – Direito Constitucional ao alcance de todos – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 470).

No mesmo sentido, José Afonso da Silva diz que a inabilitação decorre necessariamente da pena de perda do cargo, pois, no sistema atual, não comporta apreciação quanto a saber se cabe ou não a inabilitação. ‘Com inabilitação’ é a uma cláusula que significa decorrência necessária, não precisando ser expressamente estabelecida [...]” (SILVA, José Afonso da – Curso de Direito Constitucional Positivo; 30ª edição – Malheiros Editores, 2008, p. 552g.n.).

Diz o art. 52, parágrafo único da CF:

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.


Assim sendo, parece que de fato a inabilitação para o exercício de função pública é consequência da perda do cargo, decidido pela perda do cargo a inabilitação é automática.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Propostas do Ministério Público para combater a corrupção: Teste de Integridade

CELSO TARCISIO BARCELLI[1]


O Ministério Público Federal apresentou um pacote legislativo denomino “10 medidas contra a corrupção”.

A proposta contém diversos pontos polêmicos, como o que relativiza a prova ilícita[2].

Entretanto, o que chamou com mais ênfase nossa atenção foi a Medida 2 - “teste de integridade”, com a qual, pessoalmente, discordamos, por contrariar a doutrina e jurisprudência atual.

Assim, diz o Projeto de Lei que:

Art. 2º A Administração Pública poderá, e os órgãos policiais deverão, submeter os agentes públicos a testes de integridade aleatórios ou dirigidos, cujos resultados poderão ser usados para fins disciplinares, bem como para a instrução de ações cíveis, inclusive a de improbidade administrativa, e criminais.
Art. 3º Os testes de integridade consistirão na simulação de situações sem o conhecimento do agente público, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer ilícitos contra a Administração Pública.


Neste sentido, flagrante provocado ocorre quando autor é incitado à prática delituosa e, estando monitorado e sendo acompanhado pela autoridade, resulta totalmente impossível a consumação do crime para o qual foi estimulado, caracterizando, assim, o chamado crime impossível.

Destaca Gustavo Octaviano Diniz Junqueira:

“São os famosos casos de flagrante provocado ou preparado, em que o sujeito imagina que está praticando um crime, mas na verdade apenas está participando de um jogo de cena montado pela autoridade estatal, que já tomou providências no sentido de resguardar o bem jurídico.”

Existe uma intervenção estatal no mecanismo causal do fato, a vigilância torna inviável qualquer risco ao bem jurídico, não havendo que se falar em crime, pois a própria tipicidade é excluída; na realidade, ocorre apenas um teatro, que no máximo pode servir para descoberta de crimes anteriores, porque, caso contrário, o agente provocador também deveria ser preso[3] (art. 333 do Código Penal)[4].

É desta maneira, inclusive, que deve ser interpretada súmula do Supremo Tribunal Federal: Súmula 145 – “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

O mesmo entendimento deve ser aplicado no âmbito disciplinar, já que as penalidades administrativas apresentam similitude com as de natureza penal, sujeitando-se a um regime jurídico similar.

Neste sentido, Marçal Justen Filho destaca:

A doutrina nacional e estrangeira concordam, em termos pacíficos, que as penalidades administrativas apresentam configuração similar às de natureza penal, sujeitando-se a regime jurídico senão idêntico, ao menos semelhante.

Embora não seja possível confundir Direito Penal e Direito Administrativo (Repressivo), é inquestionável a proximidade dos fenômenos e institutos [5].

Cabe citar as lições de Mauro Roberto Gomes de Mattos:

O direito administrativo sancionador/disciplinar é apenas mais uma das condições jurídicas de manifestação do ius puniendi do Estado.

Sua diferença para o direito penal é apenas de grau ou, em algumas situações, opção legislativa [...] Assim, não há como falar-se de um ilícito administrativo ontologicamente distinto de um ilícito penal [6].


O Projeto de Lei do MPF se mostra inconstitucional e ilegítimo ao estabelecer a possibilidade de utilização do “teste de integridade para fins de prova em processos disciplinares, civis, de improbidade e criminais.

O “teste de integridade” fere o princípio fundamental da República Federativa do Brasil, no seu núcleo essencial, a saber, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso IV, da Constituição da República); isto, porque, o ser humano individualmente considerado não pode ser sacrificado em nome da coletividade, não se pode aceitar a incriminação de condutas que nem sequer colocam em risco os bens jurídicos.

Sabendo que o ato administrativo deve ser praticado com um mínimo de confiabilidade, honestidade e lealdade, como defender a moralidade de um jogo de cena montado pela Administração, feito propositadamente ou com predeterminada intenção de instigar – provocar - a prática de um crime (falso), que de fato nunca existiu, apenas para fazer o servidor de bobo e testar a sua honestidade.

O servidor público honesto, que recebe uma proposta indecorosa por meio de uma SIMULAÇÃO, com toda certeza, se sentirá aviltado em sua honra, menosprezado em sua dignidade, com tal oferta indecente dirigida mediante uma “peça teatral” conduzida pela administração.






[1] Procurador do Município de Sorocaba; Foi Policial Militar em São Paulo; Bacharel em Direito; pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul.

[2] Pacote Anticorrupção; Ministros e advogados apontam inconsistências em propostas do MPF; disponível em: <
[3] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz – Direito Penal. São Paulo: Prima Cursos Preparatórias, 2004, p. 80; no mesmo sentido: ANDREUCCI, Ricardo Antonio – Minicódigo penal anotado – 4 ed. rev e atual – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 67.

[4] Art. 333 – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

[5] JUSTEN FILHO, Marçal – Comentários à lei de licitações e contratos administrativos – 16 ed. rev. atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 1139.

[6] MATTOS, Mauro Roberto Gomes, Tratado de Direito Administrativo Disciplinar, 2. Ed. – Rio de Janeiro: FORENSE, 2010, p. 41/239.