domingo, 7 de outubro de 2018

Tribunal de Justiça decide que trabalho de Policial Militar em “bico” de segurança privada não configura improbidade administrativa


CELSO TARCISIO BARCELLI1




A base constitucional para a responsabilização pelos atos de improbidade administrativa encontra-se no § 4.º do art. 37 da Constituição Federal.

Confira-se:


Art. 37 [….]

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.


O texto constitucional não define improbidade administrativa, limita-se a enumerar sanções que devem ser aplicadas, deixando a cargo da norma infraconstitucional a definição dos atos de improbidade, no caso é a Lei Federal Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992, que traz as definições de improbidade.


Assim, improbidade pode ser compreendida como: “ato ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração Pública”2.


De forma geral os atos de improbidade podem ser praticados contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.


Também são punidos atos praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual (art. 1º, da Lei de Improbidade Administrativa)


Em regra respondem por ato de improbidade os agentes públicos.

O art. 2º da Lei de Improbidade traz uma definição genérica e abrangente de agentes públicos, a saber: reputa-se agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades descritas no art. 1º.


Sendo assim, o conceito abrange agentes políticos, servidores públicos (estatutários, trabalhistas ou celetistas e temporários) e particulares em colaboração.

A polêmica se instala quanto aos agentes políticos, na Reclamação 2.138/DF o Supremo acolheu o entendimento de que os agentes políticos submetem-se às regras específicas do crime de responsabilidade, na forma dos arts. 52, I, 85, V, e 102, I, "c", da Carta da República, assim eles responderiam com base na legislação especial, que versa sobre os crimes de responsabilidade, não lhes sendo aplicável a Lei 8.429/1992.


Terceiros, que não sejam agentes públicos, podem responder por improbidade nas seguintes hipóteses: (a) a pessoa induz um agente público a praticar ato de improbidade; (b) ela pratica um ato de improbidade junto com um agente público ou; (c) ela se beneficia de um ato de improbidade. Destaca-se que sem a participação do agente público o terceiro não comete improbidade.


Quanto à tipificação esclarece a doutrina:


A tipificação dos atos de improbidade administrativa é, em regra, aberta e o rol de condutas elencadas para sua configuração é exemplificativo, pois os arts. 9.°, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, ao elencarem determinadas condutas que são tipificadas como atos de improbidade, utilizam-se da expressão “notadamente”, o que demonstra que outras condutas também podem ser enquadradas nos referidos tipos de improbidade3.


A técnica empregada nos arts. 9.º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992 foi a de apresentar, no caput de cada qual, uma descrição conceitual dos atos de improbidade administrativa que compõem a categoria a que o artigo se refere e, exemplificativamente, enumerar, em incisos, diversos atos ou condutas (comissivas e omissivas) nele enquadradas4


Em suma, os ato de improbidade são previstos nos arts. 9.° (enriquecimento ilícito), 10 (dano ao erário), 10-A (concessão ou aplicação indevida de beneficio financeiro ou tributário) e 11 (violação aos princípios da Administração) da Lei 8.429/1992. Também há o art. 52 da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), direcionado exclusivamente aos Prefeitos.


Por fim, alguns tipos legais exigem que a conduta seja cometida com dolo, ao passo que outras admitem a tipicidade também em virtude de culpa. Destarte, deve haver dolo nos casos dos arts. 9º e 11, e ao menos da culpa nas hipóteses do art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa.


Pois bem.


Estabelecidas estas premissas, vamos ao decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


Ministério Público do Estado de São Paulo moveu ação em face de Policial Militar alegando que o PM cometeu ato de improbidade administrativa consistente na prestação de serviço de segurança particular, uma vez que, na qualidade de policial militar, estava impedido de prestar serviços na área privada, nos termos do art. 8º, incisos IX, XIII e XXXV e art. 13, p. único, item 26 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, tudo tipificado no art. 11, caput, e inciso I, da Lei nº 8.429/92.


A Corte Paulista decidiu que não há improbidade na prática do “bico” de segurança privada, porque o ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei 8.429/92, exige a presença do elemento doloso, uma vez que ilegalidade não é sinônimo de improbidade, bem como a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador.


Esclareceu o Tribunal que o réu prestou os serviços de segurança privada nos dias de folga e sem se valer do aparato da Polícia Militar, a fim de aumentar a renda sabidamente diminuta dos policiais, ficando afastada a existência de vontade dirigida para a transgressão, de forma que é impossível a elevação do ato de prestação de serviços de segurança privada para o grau de ímprobo.


O bico é ilegal, configura inflação disciplinar, porém não tipifica ato de improbidade administrativa, notadamente porque a própria Polícia Militar regulamentou o denominado “bico oficial” no qual os policiais militares são autorizados a fazer hora extra no policiamento urbano (vide por exemplo as operações delegadas em parceiras com os Municípios).


Confira-se a decisão:


Apelação Cível – Ato de Improbidade Administrativa – Policial Militar que, nos dias de folga, e sem se valer do aparato da Corporação, prestou serviços de segurança privada – Conduta punida na esfera disciplinar - Ilegalidade não erigida à improbidade – Ausência de dolo na conduta – Sentença de improcedência mantida – Recurso desprovido.

(TJSP; Apelação 1039744-64.2016.8.26.0053; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/08/2018; Data de Registro: 06/08/2018)


Andou bem a justiça paulista, vez que o próprio Estado vem regulamentando, por meio da Lei Complementar 1.227/13 (DIRETRIZ PM3-002/02/16 - DEJEM), o “bico”, autorizando policiais a trabalhar nos horários de folga.


Existe também a Atividade Delegada, um convênio firmado entre as prefeituras e a Secretaria da Segurança Pública, que permite aos policiais militares desempenharem suas funções nos dias de folgas.


Portanto, a trabalho extraordinário do policial nos horários de folga em nada prejudica o serviço policial-militar, uma vez que a própria Polícia Militar autoriza o trabalho extra.

Deste modo, quando o PM exerce atividade de segurança privada nos dias de folga, sem se valer do aparato da Polícia Militar, com o objetivo de aumentar a renda, não pratica improbidade, porque não exite vontade de enriquecer ilicitamente, não causa prejuízo ao erário e não há intensão de violar os princípios da administração pública.

Nestes casos, há mera irregularidade suficientemente punível pelos regulamento disciplinar da Polícia Militar.




BIBLIOGRAFIA


Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado I Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.


Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.


Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.



__________________________
1 Pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul, Procurador do Município de Sorocaba, Advogado, foi policial militar em São Paulo.
2 Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 977.
3 Oliveira, op. cit., p. 979.
4 Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado I Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 1101.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Julgados do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo


Olá amigo leitor,

No presente trabalho estamos trazendo alguns julgados que entendemos serem interessantes e que foram extraídos do Diário Eletrônico de Justiça do TJMSP.

A intenção é periodicamente selecionar e trazer estes julgados em formato similar a informativos.

Os julgados nem sempre serão do mesmo Dje.

Seguem, então, nossa primeira seleção de julgados:



Execução Penal

Habeas Corpus. Execução Penal. Regressão de regime. Cautelar. Regime fechado. Falta grave. Prévia oitiva do sentenciado. Constrangimento ilegal. Alegado. Ilegalidade. Abuso de poder. Inexistentes. Ordem denegada.

A regressão cautelar de regime prescinde da oitiva prévia do sentenciado. Tal formalidade é exigida apenas para a regressão definitiva, que não é o caso. Basta a notícia da prática de fato definido como crime.

(TJMSP – HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº 0900036-09.2018.9.26.0000, RELATOR: PAULO ANTONIO PRAZAK, Djme 26.03.2018, p. 7).


EXECUÇÃO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. FALTA GRAVE. REGRESSÃO CAUTELAR DE REGIME. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO OU CONCLUSÃO DO PAD. REGRESSÃO PARA UM REGIME MAIS GRAVOSO DO QUE O ESTABELECIDO NA SENTENÇA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Em se tratando de regressão cautelar, não é necessária a prévia instauração ou conclusão do procedimento administrativo – PAD e a oitiva do sentenciado em juízo, exigíveis apenas no caso de regressão definitiva. Inaplicabilidade do enunciado sumular 533 desta Corte.

2. Nos termos do art. 118 da Lei de Execução Penal, a execução da pena privativa de liberdade está sujeita à forma regressiva, com a transferência para um regime mais rigoroso do que o estabelecido no édito condenatório, o que não configura constrangimento ilegal. 3. Recurso a que se nega provimento. (grifei)

(RHC 92446/BA – Relatora: Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – SEXTA TURMA – Julgamento: 08/02/2018 – DJe 19/02/2018)



Processo Administrativo Disciplinar


O julgado a seguir não é recente, o feito está em fase de execução, porém acreditamos que o caso é interessante.


Provas

É vedado ao Poder Judiciário a reavaliação de provas produzidas na seara administrativa, sob pena de ferimento à independência das esferas. (Apelação nº 2.569/11. Rel. Juiz Avivaldi Nogueira Júnior, 2ª Câmara, j. 02.04.12, v. u.)

Não se é permitido à parte reinaugurar, no processo judicial (ainda que em sede de Ação Ordinária, como é o caso) nova instrução probante sobre os fatos imputados na seara administrativa. Salvo em raras hipóteses em que a Administração Militar tenha indeferido pertinente e necessária pretensão probante do acusado no feito disciplinar (Apelação Cível nº 0000480-12.2015.9.26.0020 (3.872/16) – Rel. CLOVIS SANTINON, 2ª Câmara, j. 28.07.16, v. u.)


Teoria dos Motivos Determinares


Policial Militar foi acusado de ter trabalhado mal, por ter constatado loteamento irregular durante atividade de fiscalização ambiental e não adotar as providências cabíveis, o Tribunal Castrense afastou a acusação porque entendeu que da leitura dos dispositivos do art. 50 e seguintes da Lei 6.766/79 depreende-se que os delitos ali tipificados exigem, para sua constatação, que o agente fiscalizador tenha absoluta ciência da inexistência de autorização dos órgãos competentes ou, se existente a licença, que o desenvolvimento da atividade esteja em desacordo com aquela. Evidentemente, tal ciência não se revela necessária para o patrulhamento ambiental, atividade fim do policiamento ambiental. Evidenciado que a imputação transgressional não ficou comprovada, tornando-se, pois, imprestável para funcionar como motivo para a edição do ato administrativo exclusório.


No mesmo julgado, o miliciano foi acusado de ter lançado Auto de Infração Ambiental em desfavor do administrador da Fazenda e não contra o verdadeiro possuidor da gleba; a Corte Militar Bandeirante também afastou esta acusação, sob o argumento de que as normas ambientais não limitam a responsabilidade pelo ilícito ambiental somente ao proprietário, mas a todo autor direto da infração, se somente o proprietário de direito fosse o responsável pela infração ambiental, o Policial Militar em seus patrulhamentos deveria, uma vez constatada irregularidade, pedir ao infrator a certidão de matrícula do imóvel, devidamente atualizada e com todos os registros e averbações necessários, para somente então poder executar o seu mister, o que parece absolutamente despropositado, senão surreal.


O TJMSP aplicou a teoria dos motivos determinantes, uma vez que não constatados os fatos que fundamentaram a decisão exclusória, declarando nula a decisão que expulsou o militar das fileiras da corporação, determinado a reintegração do policial com o pagamento de todos os direitos trabalhistas que faria jus se não tivesse sido expulso, bem como computo do tempo de serviço para todos os fins de direito. (Apelação Cível nº 0000480-12.2015.9.26.0020 (3.872/16) – Rel. CLOVIS SANTINON, 2ª Câmara, j. 28.07.16, v. u.)


Explicando a teoria


Esclarecem Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:


A denominada teoria dos motivos determinantes consiste em, simplesmente, explicitar que a administração pública está sujeita ao controle administrativo e judicial (portanto, controle de legalidade ou legitimidade) relativo à existência e à pertinência ou adequação dos motivos - fático e legal - que ela declarou como causa determinante da prática de um ato. Caso seja comprovada a não ocorrência da situação declarada, ou a inadequação entre a situação ocorrida (pressuposto de fato) e o motivo descrito na lei (pressuposto de direito), o ato será nulo. A teoria dos motivos determinantes aplica-se tanto a atos vinculados quanto a atos discricionários, mesmo aos atos discricionários em que, embora não fosse obrigatória, tenha havido a motivação1.


Carvalho Filho aponta:


Desenvolvida no Direito francês, a teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato2.


Rafael Carvalho Rezende resume com maestria: De acordo com essa teoria, a validade do ato administrativo depende da correspondência entre os motivos nele expostos e a existência concreta dos fatos que ensejaram a sua edição 3.


Portanto, no julgado acima, o Tribunal Militar entendeu que os fatos que ensejaram a exclusão do militar das fileiras da corporação não existiram, declarando nula a decisão que expulsou o Policial Militar.






__________________________________________
1 Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado/ Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro : Forense; São Paulo : MÉTODO, 2017, p. 555.

2 Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 108.

3 Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 419.



sábado, 31 de março de 2018

Execução Provisória da Pena: Prisão em segunda instância


Sem maiores delongas, bem como sem qualquer intuito ideológico/partidário, a Constituição Federal e o Código de Processo Penal não admitem a execução provisório da pena, isto é, não autoriza a execução de pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.


A doutrina é bastante clara a respeito do assunto:


Ninguém deve ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Admitir a execução provisória da pena em momento anterior à formação de coisa julgada, com base em argumento de eficiência do sistema e só pelo fato de ter sido afirmada a condenação em outro tribunal, esbarra no texto da Constituição (art. 5°, LVII) e do CPP (art. 283). Aliás, não foi sequer considerada a letra deste último artigo do Código, referentemente ao texto da Lei Maior. (Távora, Nestor Curso de direito processual penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar - 12. ed. rev. e atual - Salvador: Ed. JusPodivm. 2017, p. 70 – g.n.).


Eugênio Pacelli é brilhante ao discorrer sobre a matéria, sem alteração da Constituição Federal não é possível admitir a execução provisória da pena, salvo se presentes os requisitos da prisão preventiva (art. 312 do CPP).



De todo modo, a atual redação do art. 283, CPP, parece mesmo fechar as portas para a execução provisória em matéria penal. O que, como regra, está absolutamente correto, em face de nossas determinações constitucionais, das quais podemos até discordar; jamais descumprir. Assim não pareceu ao Supremo Tribunal Federal, todavia, que nas ADC nºs 43 e 44 (julgadas pelo Plenário em 5.10.16) fixou a execução provisória como regra, após condenação em segundo grau. Não vemos como defender a decisão, posto que diametralmente oposta ao texto de lei (CPP) e à norma constitucional, muito embora endossemos as críticas feitas à opção do legislador […] E, ao contrário do quanto ali sustentado, a matéria não nos parece ser de conformação legislativa, mas claramente de índole constitucional. A menos que se modifique a Constituição, como assim queria a conhecida proposta de Emenda Constitucional designada por Emenda Peluso, não vemos como alterar o conceito de trânsito em julgado, a não ser por essa via (constitucional). (Pacelli, Eugênio. Curso de processo penal. – 21. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 234 e 38/39 – g.n.).


Era posição do STJ e STF:



A jurisprudência desta Corte Superior é remansosa no sentido de que a determinação de encarceramento do réu antes de transitado em julgado o édito condenatório deve ser efetivada apenas se presentes e demonstrados os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal” (STJ, RHC 41.114/MT, 6ª T., rel. Min. Rogério Schietti Júnior, j. 20-5-2014, DJe de 19-5-2014). No mesmo sentido: STF, HC 123.235/MT, 1ª T., rel. Min. Dias Toffoli, j. 21-12014, DJe 238, de 4-12-2014; STF, HC 122.592/PR, 2ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 12-8-2014, DJe 203, de 17-10-2014.

sábado, 13 de janeiro de 2018

ATAQUE COVARDE AOS SERVIDORES PÚBLICOS

Nos últimos tempos notamos um sistemático ataque aos servidores públicos na forma de reportagens jornalísticas (grandes emissoras de rádio e TV, portais de internet e jornais), quase que todo os dias pipocam matérias aqui e ali culpando os funcionários públicos pela crise econômica.

Argumentam que o Brasil tem uma quantidade enorme de servidores, o que está inchando a máquina pública; que servidores tem salários elevados, muitos benefícios, privilégios etc.

Na verdade, tais argumentos são falaciosos, não passam de manipulação das multidões com o objetivo de enfraquecer a categoria, porque boa parte dela não se dobra as pressões políticas no cumprimento do seu dever legal.

Os gestores públicos autoritários (leia-se, alguns políticos) gostariam de trazer, para dentro da administração pública, práticas condenáveis que utilizam na sua vida privada, todavia, como os servidores concursados e efetivos tendem a não compactuar com tais práticas por serem violadoras da lei, surgem as primeiras rugas.

Tais servidores possuem estabilidade.

Ah! Estabilidade, maldita seja! Pensam estes gestores autoritários.

Ora, prevista no art. 41 da Constituição, em defesa do servidor e no interesse público[1], a estabilidade é uma blindagem que tenta proteger os funcionários públicos destas pressões políticas, objetivando garantir que o servidor possa cumprir a lei.

O servidor estável somente pode ser demitido se cometer uma infração disciplinar punida com pena de demissão e comprovada por meio de processo administrativo ou em virtude de decisão judicial transitada em julgado (art. 41, § 1º, I e II, da Constituição Federal); pode também ser exonerado nas hipóteses específicas de perda do cargo para redução de despesas (art. 169, §§ 4º a 7º, e art. 247, da CF); bem como poderá perder o cargo por insuficiência de desempenho avaliado em processo administrativo de avaliação periódica (art. 41, § 1º, III, da CF).

Assim, a autoridade política se irrita, porque o funcionário público, protegido pela estabilidade e sabedor do seu dever, cumpre a lei e ignora os caprichos do agente político, que por sua vez não pode se livrar desta pedra no seu sapato, salvo se provar a prática de uma infração disciplinar.

Ademais, tem muito gestor que gostaria de se livrar dos servidores concursados para colocar em seu lugar os seus apadrinhados, utilizando-se dos fabulosos cargos em comissão (no Brasil, ressalvadas honrosas exceções, tais cargos servem para premiar os cabos eleitorais, ou para troca de apoio político – veja aqui e aqui) (maisum exemplo).

Na verdade, a estabilidade é um Direito Fundamental do cidadão e não do funcionário público, é cláusula pétrea da Constituição!

Explico, como a Administração tem funcionários efetivos, que não podem ser demitidos por meros caprichos das autoridades políticas, não importa quem esteja ocupando a Chefia do Poder Executivo (Prefeitos, Governadores, Presidente), o serviço será executado normalmente, a máquina pública anda sozinha por meio dos servidores efetivos.

Neste sentido é que a estabilidade é uma Garantia Fundamental do cidadão, pois, não fosse ela, em momentos de crises políticas, os serviços públicos sofreriam uma paralisação, penalizando o povo. A estabilidade permite que a máquina pública continue funcionado mesmo nas maiores crises de governo.

Outro sonho do gestor irresponsável é terceirizar tudo, substituindo servidores concursados por empresas de prestação de serviço[2].

Pois bem.

Em primeiro lugar, não é verdade que o Brasil tem excesso de funcionários públicos. Levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou que de cada 100 trabalhadores brasileiros, 12 são servidores público; já nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser quase o dobro — nesses locais, a média é de 21 funcionários a cada 100 empregados (gráfico aqui). Dinamarca e Noruega tem cerca de 30 servidores para cada 100 habitantes, enquanto o Canadá 20.

Também não procede o argumento de que os funcionários públicos têm remuneração elevada. De fato, algumas carreiras, principalmente no poder judiciário e legislativo, recebem remunerações invejáveis.

Contudo, nas áreas da saúde, segurança e educação existem deficiências, não por falta de profissionais habilitados, mas porque os salários e condições de trabalho não são atrativos.

Reportagem do jornal o Globo demonstrou que 63% dos médicos aprovados em concursos recusaram assumir os empregos estaduais ou municipais. “Precárias condições de trabalho, salários pouco competitivos, falta de plano de carreira e demora na convocação são os fatores apontados para o desinteresse em vagas na rede” (reportagem aqui).

Diferente das polícias ligadas ao Governo Federal, as polícias estaduais sofrem com a defasagem nas remunerações e péssimas condições de trabalho (veja aqui).

Doutro giro, cada vez menos jovens querem ser professores. “Falta de um plano de carreira, baixos salários, pouca valorização” são os motivos apresentados para a baixa procura pela carreira (matéria aqui).

Portanto, os repetidos ataques aos servidores públicos não passa de uma estratégia de alguns políticos envolvidos em escândalos de corrupção, estratégia que infelizmente tem encontrado eco em alguns setores da imprensa, trata-se de uma cortina de fumaça, que visa tirar o foco dos verdadeiros motivos da crise que se instalou no país, qual sejam, a corrupção e o desperdício de dinheiro público.




[1]      GASPARINI, Diogenes - Direito administrativo - São Paulo: Saraiva, 2012, p. 266

[2]              Ex-prefeito foi condenado por contratação de empresa terceirizada Cooperativa de trabalhadores de Saúde e Educação de Timbaúba, para admissão de servidores sem concurso público, violando os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e obrigatoriedade do concurso público -  veja decisão do TJPE

Fontes:

INFOMONEY: Disponível em: http://www.infomoney.com.br/blogs/economia-e-politica/terraco-economico/post/5406420/funcionalismo-publico-brasil-grafico-para-mudar-sua-visao - acesso em 13.01.18

O GLOBO: Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/temer-intensifica-troca-de-cargos-por-votos-contra-denuncia-21609744 e também em: https://oglobo.globo.com/brasil/medicos-recusam-empregos-oferecidos-por-prefeituras-estados-18443465 - acesso em 13.01.18

ESTADÃO: Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,para-aprovar-reformas-planalto-troca-cargos-por-votos-de-partidos-nanicos,70001750650 -  acesso em 13.01.18

ESTADÃO ESPORTES: Disponível em: http://esportes.estadao.com.br/noticias/jogos-olimpicos,tcu-ve-risco-de-desperdicio-de-recursos-publicos-na-olimpiada,10000061711 -  acesso em 13.01.18

DIÁRIO CAJAMARENSE: Disponível em: https://www.diariocajamarense.com/2017/02/21/justica-manda-prefeitura-de-cajamar-exonerar-cerca-de-500-comissionados.html -  acesso em 13.01.18

FOLHA DE SÃO PAULO: Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1858024-estopim-de-crise-salario-de-policial-sobe-abaixo-da-inflacao-em-8-estados.shtml  -  acesso em 13.01.18

G1 - BOM DIA BRASIL: disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/10/cada-vez-menos-jovens-querem-ser-professores-no-brasil.html -  acesso em 13.01.18

REVISTA PEQUENAS EMPRESAS & GRANDES NEGÓCIOS: Disponível em: http://revistapegn.globo.com/Noticias/noticia/2017/05/corrupcao-da-um-brasil-por-ano-de-prejuizo-para-o-planeta.html -  acesso em 13.01.18








segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Vedação do direito à greve aos servidores da segurança pública

Celso Tarcisio Barcelli*

O Supremo Tribunal Federal é quem dá a última palavra em termos de interpretação da Constituição da República.

Significa que devemos respeitar e obedecer as suas decisões.

No entanto, isto não significa que não possamos criticar algumas posições da Corte Superior.

Ora, a doutrina esclarece que todas as pessoas que se deparam com o texto constitucional são seus potenciais interpretes (Peter Häberle – “Sociedade aberta dos interpretes da constituição” - Mark Tushnet, professor de Harved, chama de constitucionalismo popular).

Portanto, do nosso ponto de vista, a respeitável Corte Suprema ao estabelecer que “o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública” (Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654432), não deu a melhor interpretação à Constituição, porque restringiu um direito fundamental, algo que o constituinte originário não fez.

Ao fundamentar sua decisão o STF entendeu que: “No confronto entre o direito de greve e o direito da sociedade à ordem pública e da paz social, deve prevalecer o interesse público e social em relação ao interesse individual de determinada categoria. E essa prevalência do interesse público e social sobre o direito individual de uma categoria de servidores públicos exclui a possibilidade do exercício do direito de greve, que é plenamente incompatível com a interpretação do texto constitucional”.

Nitidamente, o Supremo fez uma ponderação de valores para declarar a vedação da greve, afirmando que no confronto entre o direito de greve dos servidores civis e o direito da sociedade à ordem pública, prevalece o segundo.

Ocorre que a própria Constituição previu solução para a greve de servidores civis da segurança pública, bem como ampliou o direito à greve a todos servidores públicos, excepcionado apenas os militares (art. 37, inc. VII, art. 42, § 1º c/c art. 142, § 3º, inc. IV).

Assim sendo, conforme restará evidenciado, era absolutamente desnecessária esta ponderação de interesses.

Ao decidir a questão, a Corte Maior poderia ter encontrado solução que preservasse os direitos fundamentais em confronto, utilizando-se do papel eminentemente residual da Polícia Militar e das Forças Armadas, explico:

Com efeito, a PM é força auxiliar e reserva do Exército, nos termos do art. 144, § 6º da Constituição. Cabe às Polícias Militares do Brasil atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem incorporando-se à Força Terrestre (Exército) para defesa interna e territorial (Roberto Botelho – Direito Militar Doutrina e Aplicações – 1ª edição – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p.195/198).

Por outro lado, a preservação da ordem pública é atribuição exclusiva da PM (art. 144, § 5º, da CF); vale dizer, as atribuições da PM são muito mais amplas do que a de qualquer outra polícia. Ora, a Polícia Federal exerce o papel de polícia judiciária federal, de reprimir o tráfico de drogas, contrabando, descaminho, a função de polícia marítima, aeroportuária e de fronteira; às Polícias Rodoviária e Ferroviária Federal cabe o patrulhamento de rodovias e ferrovias federais; às Polícias Civis cabe a polícia judiciária.
A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública engloba inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como um verdadeiro exército da sociedade.  Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema da –ordem pública- e, especificamente, da -segurança pública. (Advocacia Geral da União - Parecer nº GM – 025 – disponível em: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx?idAto=8417 –acesso em 07mar14 às 15h30min (grifamos)).
Neste prisma, a Constituição da República atribuiu também às Forças Armadas o papel de defesa da ordem interna.
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Esclarece Uadi Lammêngo Bulos que: “Esporadicamente, contudo, incumbe-lhes defender a lei e a ordem interna, atribuições típicas de segurança pública” (Direito Constitucional ao alcance de todos – São Paulo: Sariava, 2009, p. 558.).

Em tais situações, portanto, as Forças Armadas, porque incumbidas (emergencial e temporariamente) da preservação, ou do restabelecimento, da ordem pública, devem desempenhar o papel de Polícia Militar, têm o dever de exercitar - a cada passo, como se fizer necessário - a competência da Polícia Militar. Decerto, nos termos e limites que a Constituição e as leis impõem à própria Polícia Militar (v., por exemplo, do art. 5º da Carta, os incisos: II; III, parte final; XI e XVI). - (Advocacia Geral da União - Parecer nº GM – 025).

Portanto temos o seguinte:

a)      A cláusula “preservação da ordem pública” insculpida no art. 144, § 5º, da CF, concede ampla competência para atuação da Polícia Militar como órgão de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial, podendo substituir demais órgãos policiais no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves;

b)      Nos termos do art. 142, da CF, as Forças Armadas, emergencial e temporariamente, podem atuar na preservação da ordem pública desempenhando a competência da Polícia Militar.

Esta é a solução constitucional para a greve dos servidores civis da segurança pública, basta que a PM assuma o papel deles durante a greve e, se necessário, que as Forças Armadas suplementem o patrulhamento nas ruas.

Foi por este motivo que a Constituição vedou apenas aos Militares (Policiais, Bombeiros e membros das Forças Armadas) o direito à sindicalização e greve, isto, pois, eles funcionam como última reserva de proteção da sociedade, constituem, e apenas eles, uma categoria diferenciada de servidores, não cabendo fazer tal extensão aos policias civis.

Ademais, os argumentos utilizados pelo Supremo podem ser facilmente utilizados para aniquilar por completo o direito fundamental à greve previsto expressamente na Constituição (art. 37, VII e art. 9º).

Vamos ponderar?

1-      Entre o direito fundamental a educação e o direito “egoístico” dos professores a greve por aumento de salário, qual deve prevalecer?

2-      Entre o direito fundamental à saúde e o direito “egoístico” dos médicos à greve por melhoria das condições de trabalho, qual deve prevalecer?

Vamos ampliar a vedação para a iniciativa privada?

Como sabemos, alguns serviços públicos podem ser prestados por empresas privadas em regime de concessão, permissão ou autorização, cujos empregados estão sob o regime privado da CLT; vejamos:

1-      Entre o direito fundamental da sociedade ao transporte público (art. 6º, CF) ou o direito “egoístico” dos motoristas de ônibus à greve por aumento de salário, qual deve prevalecer?

2-      Entre o direito da sociedade à coleta do lixo e a limpeza dos logradouros - serviço público essencial, ligado à saúde pública - e o direito dos trabalhadores do setor à greve por melhoria das condições de trabalho, qual de deve prevalecer?

Destarte, a ponderação de interesses deve ser usada com extrema cautela para não fazer de direitos fundamentais letra morta, não pode tal ponderação ser utilizada para reescrever a Constituição ao sabor das conveniências de interesses políticos dos grupos de poder.

Assim sendo, a própria Carta Constitucional contém solução para o conflito de interesses entre o direto à greve dos servidores civis da segurança pública e o direito social à ordem pública, qual seja: o emprego da Polícia Militar em substituição aos órgãos policiais paralisados e, se necessário, no mesmo contexto fático, a utilização das Forças Armadas em conjunto com a PM.

É por esta razão que a CF vedou greve aos militares e não aos demais servidores, tal solução preservaria o direito fundamental à greve dos servidores civis (conforme previsto originariamente na CF) e o direito da sociedade à ordem pública.

*Procurador do Município de Sorocaba; Foi Policial Militar em São Paulo; Bacharel em Direito; pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul.