sábado, 13 de janeiro de 2018

ATAQUE COVARDE AOS SERVIDORES PÚBLICOS

Nos últimos tempos notamos um sistemático ataque aos servidores públicos na forma de reportagens jornalísticas (grandes emissoras de rádio e TV, portais de internet e jornais), quase que todo os dias pipocam matérias aqui e ali culpando os funcionários públicos pela crise econômica.

Argumentam que o Brasil tem uma quantidade enorme de servidores, o que está inchando a máquina pública; que servidores tem salários elevados, muitos benefícios, privilégios etc.

Na verdade, tais argumentos são falaciosos, não passam de manipulação das multidões com o objetivo de enfraquecer a categoria, porque boa parte dela não se dobra as pressões políticas no cumprimento do seu dever legal.

Os gestores públicos autoritários (leia-se, alguns políticos) gostariam de trazer, para dentro da administração pública, práticas condenáveis que utilizam na sua vida privada, todavia, como os servidores concursados e efetivos tendem a não compactuar com tais práticas por serem violadoras da lei, surgem as primeiras rugas.

Tais servidores possuem estabilidade.

Ah! Estabilidade, maldita seja! Pensam estes gestores autoritários.

Ora, prevista no art. 41 da Constituição, em defesa do servidor e no interesse público[1], a estabilidade é uma blindagem que tenta proteger os funcionários públicos destas pressões políticas, objetivando garantir que o servidor possa cumprir a lei.

O servidor estável somente pode ser demitido se cometer uma infração disciplinar punida com pena de demissão e comprovada por meio de processo administrativo ou em virtude de decisão judicial transitada em julgado (art. 41, § 1º, I e II, da Constituição Federal); pode também ser exonerado nas hipóteses específicas de perda do cargo para redução de despesas (art. 169, §§ 4º a 7º, e art. 247, da CF); bem como poderá perder o cargo por insuficiência de desempenho avaliado em processo administrativo de avaliação periódica (art. 41, § 1º, III, da CF).

Assim, a autoridade política se irrita, porque o funcionário público, protegido pela estabilidade e sabedor do seu dever, cumpre a lei e ignora os caprichos do agente político, que por sua vez não pode se livrar desta pedra no seu sapato, salvo se provar a prática de uma infração disciplinar.

Ademais, tem muito gestor que gostaria de se livrar dos servidores concursados para colocar em seu lugar os seus apadrinhados, utilizando-se dos fabulosos cargos em comissão (no Brasil, ressalvadas honrosas exceções, tais cargos servem para premiar os cabos eleitorais, ou para troca de apoio político – veja aqui e aqui) (maisum exemplo).

Na verdade, a estabilidade é um Direito Fundamental do cidadão e não do funcionário público, é cláusula pétrea da Constituição!

Explico, como a Administração tem funcionários efetivos, que não podem ser demitidos por meros caprichos das autoridades políticas, não importa quem esteja ocupando a Chefia do Poder Executivo (Prefeitos, Governadores, Presidente), o serviço será executado normalmente, a máquina pública anda sozinha por meio dos servidores efetivos.

Neste sentido é que a estabilidade é uma Garantia Fundamental do cidadão, pois, não fosse ela, em momentos de crises políticas, os serviços públicos sofreriam uma paralisação, penalizando o povo. A estabilidade permite que a máquina pública continue funcionado mesmo nas maiores crises de governo.

Outro sonho do gestor irresponsável é terceirizar tudo, substituindo servidores concursados por empresas de prestação de serviço[2].

Pois bem.

Em primeiro lugar, não é verdade que o Brasil tem excesso de funcionários públicos. Levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou que de cada 100 trabalhadores brasileiros, 12 são servidores público; já nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser quase o dobro — nesses locais, a média é de 21 funcionários a cada 100 empregados (gráfico aqui). Dinamarca e Noruega tem cerca de 30 servidores para cada 100 habitantes, enquanto o Canadá 20.

Também não procede o argumento de que os funcionários públicos têm remuneração elevada. De fato, algumas carreiras, principalmente no poder judiciário e legislativo, recebem remunerações invejáveis.

Contudo, nas áreas da saúde, segurança e educação existem deficiências, não por falta de profissionais habilitados, mas porque os salários e condições de trabalho não são atrativos.

Reportagem do jornal o Globo demonstrou que 63% dos médicos aprovados em concursos recusaram assumir os empregos estaduais ou municipais. “Precárias condições de trabalho, salários pouco competitivos, falta de plano de carreira e demora na convocação são os fatores apontados para o desinteresse em vagas na rede” (reportagem aqui).

Diferente das polícias ligadas ao Governo Federal, as polícias estaduais sofrem com a defasagem nas remunerações e péssimas condições de trabalho (veja aqui).

Doutro giro, cada vez menos jovens querem ser professores. “Falta de um plano de carreira, baixos salários, pouca valorização” são os motivos apresentados para a baixa procura pela carreira (matéria aqui).

Portanto, os repetidos ataques aos servidores públicos não passa de uma estratégia de alguns políticos envolvidos em escândalos de corrupção, estratégia que infelizmente tem encontrado eco em alguns setores da imprensa, trata-se de uma cortina de fumaça, que visa tirar o foco dos verdadeiros motivos da crise que se instalou no país, qual sejam, a corrupção e o desperdício de dinheiro público.




[1]      GASPARINI, Diogenes - Direito administrativo - São Paulo: Saraiva, 2012, p. 266

[2]              Ex-prefeito foi condenado por contratação de empresa terceirizada Cooperativa de trabalhadores de Saúde e Educação de Timbaúba, para admissão de servidores sem concurso público, violando os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e obrigatoriedade do concurso público -  veja decisão do TJPE

Fontes:

INFOMONEY: Disponível em: http://www.infomoney.com.br/blogs/economia-e-politica/terraco-economico/post/5406420/funcionalismo-publico-brasil-grafico-para-mudar-sua-visao - acesso em 13.01.18

O GLOBO: Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/temer-intensifica-troca-de-cargos-por-votos-contra-denuncia-21609744 e também em: https://oglobo.globo.com/brasil/medicos-recusam-empregos-oferecidos-por-prefeituras-estados-18443465 - acesso em 13.01.18

ESTADÃO: Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,para-aprovar-reformas-planalto-troca-cargos-por-votos-de-partidos-nanicos,70001750650 -  acesso em 13.01.18

ESTADÃO ESPORTES: Disponível em: http://esportes.estadao.com.br/noticias/jogos-olimpicos,tcu-ve-risco-de-desperdicio-de-recursos-publicos-na-olimpiada,10000061711 -  acesso em 13.01.18

DIÁRIO CAJAMARENSE: Disponível em: https://www.diariocajamarense.com/2017/02/21/justica-manda-prefeitura-de-cajamar-exonerar-cerca-de-500-comissionados.html -  acesso em 13.01.18

FOLHA DE SÃO PAULO: Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1858024-estopim-de-crise-salario-de-policial-sobe-abaixo-da-inflacao-em-8-estados.shtml  -  acesso em 13.01.18

G1 - BOM DIA BRASIL: disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/10/cada-vez-menos-jovens-querem-ser-professores-no-brasil.html -  acesso em 13.01.18

REVISTA PEQUENAS EMPRESAS & GRANDES NEGÓCIOS: Disponível em: http://revistapegn.globo.com/Noticias/noticia/2017/05/corrupcao-da-um-brasil-por-ano-de-prejuizo-para-o-planeta.html -  acesso em 13.01.18








segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Vedação do direito à greve aos servidores da segurança pública

Celso Tarcisio Barcelli*

O Supremo Tribunal Federal é quem dá a última palavra em termos de interpretação da Constituição da República.

Significa que devemos respeitar e obedecer as suas decisões.

No entanto, isto não significa que não possamos criticar algumas posições da Corte Superior.

Ora, a doutrina esclarece que todas as pessoas que se deparam com o texto constitucional são seus potenciais interpretes (Peter Häberle – “Sociedade aberta dos interpretes da constituição” - Mark Tushnet, professor de Harved, chama de constitucionalismo popular).

Portanto, do nosso ponto de vista, a respeitável Corte Suprema ao estabelecer que “o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública” (Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654432), não deu a melhor interpretação à Constituição, porque restringiu um direito fundamental, algo que o constituinte originário não fez.

Ao fundamentar sua decisão o STF entendeu que: “No confronto entre o direito de greve e o direito da sociedade à ordem pública e da paz social, deve prevalecer o interesse público e social em relação ao interesse individual de determinada categoria. E essa prevalência do interesse público e social sobre o direito individual de uma categoria de servidores públicos exclui a possibilidade do exercício do direito de greve, que é plenamente incompatível com a interpretação do texto constitucional”.

Nitidamente, o Supremo fez uma ponderação de valores para declarar a vedação da greve, afirmando que no confronto entre o direito de greve dos servidores civis e o direito da sociedade à ordem pública, prevalece o segundo.

Ocorre que a própria Constituição previu solução para a greve de servidores civis da segurança pública, bem como ampliou o direito à greve a todos servidores públicos, excepcionado apenas os militares (art. 37, inc. VII, art. 42, § 1º c/c art. 142, § 3º, inc. IV).

Assim sendo, conforme restará evidenciado, era absolutamente desnecessária esta ponderação de interesses.

Ao decidir a questão, a Corte Maior poderia ter encontrado solução que preservasse os direitos fundamentais em confronto, utilizando-se do papel eminentemente residual da Polícia Militar e das Forças Armadas, explico:

Com efeito, a PM é força auxiliar e reserva do Exército, nos termos do art. 144, § 6º da Constituição. Cabe às Polícias Militares do Brasil atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem incorporando-se à Força Terrestre (Exército) para defesa interna e territorial (Roberto Botelho – Direito Militar Doutrina e Aplicações – 1ª edição – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p.195/198).

Por outro lado, a preservação da ordem pública é atribuição exclusiva da PM (art. 144, § 5º, da CF); vale dizer, as atribuições da PM são muito mais amplas do que a de qualquer outra polícia. Ora, a Polícia Federal exerce o papel de polícia judiciária federal, de reprimir o tráfico de drogas, contrabando, descaminho, a função de polícia marítima, aeroportuária e de fronteira; às Polícias Rodoviária e Ferroviária Federal cabe o patrulhamento de rodovias e ferrovias federais; às Polícias Civis cabe a polícia judiciária.
A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública engloba inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como um verdadeiro exército da sociedade.  Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema da –ordem pública- e, especificamente, da -segurança pública. (Advocacia Geral da União - Parecer nº GM – 025 – disponível em: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx?idAto=8417 –acesso em 07mar14 às 15h30min (grifamos)).
Neste prisma, a Constituição da República atribuiu também às Forças Armadas o papel de defesa da ordem interna.
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Esclarece Uadi Lammêngo Bulos que: “Esporadicamente, contudo, incumbe-lhes defender a lei e a ordem interna, atribuições típicas de segurança pública” (Direito Constitucional ao alcance de todos – São Paulo: Sariava, 2009, p. 558.).

Em tais situações, portanto, as Forças Armadas, porque incumbidas (emergencial e temporariamente) da preservação, ou do restabelecimento, da ordem pública, devem desempenhar o papel de Polícia Militar, têm o dever de exercitar - a cada passo, como se fizer necessário - a competência da Polícia Militar. Decerto, nos termos e limites que a Constituição e as leis impõem à própria Polícia Militar (v., por exemplo, do art. 5º da Carta, os incisos: II; III, parte final; XI e XVI). - (Advocacia Geral da União - Parecer nº GM – 025).

Portanto temos o seguinte:

a)      A cláusula “preservação da ordem pública” insculpida no art. 144, § 5º, da CF, concede ampla competência para atuação da Polícia Militar como órgão de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial, podendo substituir demais órgãos policiais no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves;

b)      Nos termos do art. 142, da CF, as Forças Armadas, emergencial e temporariamente, podem atuar na preservação da ordem pública desempenhando a competência da Polícia Militar.

Esta é a solução constitucional para a greve dos servidores civis da segurança pública, basta que a PM assuma o papel deles durante a greve e, se necessário, que as Forças Armadas suplementem o patrulhamento nas ruas.

Foi por este motivo que a Constituição vedou apenas aos Militares (Policiais, Bombeiros e membros das Forças Armadas) o direito à sindicalização e greve, isto, pois, eles funcionam como última reserva de proteção da sociedade, constituem, e apenas eles, uma categoria diferenciada de servidores, não cabendo fazer tal extensão aos policias civis.

Ademais, os argumentos utilizados pelo Supremo podem ser facilmente utilizados para aniquilar por completo o direito fundamental à greve previsto expressamente na Constituição (art. 37, VII e art. 9º).

Vamos ponderar?

1-      Entre o direito fundamental a educação e o direito “egoístico” dos professores a greve por aumento de salário, qual deve prevalecer?

2-      Entre o direito fundamental à saúde e o direito “egoístico” dos médicos à greve por melhoria das condições de trabalho, qual deve prevalecer?

Vamos ampliar a vedação para a iniciativa privada?

Como sabemos, alguns serviços públicos podem ser prestados por empresas privadas em regime de concessão, permissão ou autorização, cujos empregados estão sob o regime privado da CLT; vejamos:

1-      Entre o direito fundamental da sociedade ao transporte público (art. 6º, CF) ou o direito “egoístico” dos motoristas de ônibus à greve por aumento de salário, qual deve prevalecer?

2-      Entre o direito da sociedade à coleta do lixo e a limpeza dos logradouros - serviço público essencial, ligado à saúde pública - e o direito dos trabalhadores do setor à greve por melhoria das condições de trabalho, qual de deve prevalecer?

Destarte, a ponderação de interesses deve ser usada com extrema cautela para não fazer de direitos fundamentais letra morta, não pode tal ponderação ser utilizada para reescrever a Constituição ao sabor das conveniências de interesses políticos dos grupos de poder.

Assim sendo, a própria Carta Constitucional contém solução para o conflito de interesses entre o direto à greve dos servidores civis da segurança pública e o direito social à ordem pública, qual seja: o emprego da Polícia Militar em substituição aos órgãos policiais paralisados e, se necessário, no mesmo contexto fático, a utilização das Forças Armadas em conjunto com a PM.

É por esta razão que a CF vedou greve aos militares e não aos demais servidores, tal solução preservaria o direito fundamental à greve dos servidores civis (conforme previsto originariamente na CF) e o direito da sociedade à ordem pública.

*Procurador do Município de Sorocaba; Foi Policial Militar em São Paulo; Bacharel em Direito; pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul.