domingo, 7 de outubro de 2018

Tribunal de Justiça decide que trabalho de Policial Militar em “bico” de segurança privada não configura improbidade administrativa


CELSO TARCISIO BARCELLI1




A base constitucional para a responsabilização pelos atos de improbidade administrativa encontra-se no § 4.º do art. 37 da Constituição Federal.

Confira-se:


Art. 37 [….]

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.


O texto constitucional não define improbidade administrativa, limita-se a enumerar sanções que devem ser aplicadas, deixando a cargo da norma infraconstitucional a definição dos atos de improbidade, no caso é a Lei Federal Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992, que traz as definições de improbidade.


Assim, improbidade pode ser compreendida como: “ato ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração Pública”2.


De forma geral os atos de improbidade podem ser praticados contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.


Também são punidos atos praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual (art. 1º, da Lei de Improbidade Administrativa)


Em regra respondem por ato de improbidade os agentes públicos.

O art. 2º da Lei de Improbidade traz uma definição genérica e abrangente de agentes públicos, a saber: reputa-se agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades descritas no art. 1º.


Sendo assim, o conceito abrange agentes políticos, servidores públicos (estatutários, trabalhistas ou celetistas e temporários) e particulares em colaboração.

A polêmica se instala quanto aos agentes políticos, na Reclamação 2.138/DF o Supremo acolheu o entendimento de que os agentes políticos submetem-se às regras específicas do crime de responsabilidade, na forma dos arts. 52, I, 85, V, e 102, I, "c", da Carta da República, assim eles responderiam com base na legislação especial, que versa sobre os crimes de responsabilidade, não lhes sendo aplicável a Lei 8.429/1992.


Terceiros, que não sejam agentes públicos, podem responder por improbidade nas seguintes hipóteses: (a) a pessoa induz um agente público a praticar ato de improbidade; (b) ela pratica um ato de improbidade junto com um agente público ou; (c) ela se beneficia de um ato de improbidade. Destaca-se que sem a participação do agente público o terceiro não comete improbidade.


Quanto à tipificação esclarece a doutrina:


A tipificação dos atos de improbidade administrativa é, em regra, aberta e o rol de condutas elencadas para sua configuração é exemplificativo, pois os arts. 9.°, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, ao elencarem determinadas condutas que são tipificadas como atos de improbidade, utilizam-se da expressão “notadamente”, o que demonstra que outras condutas também podem ser enquadradas nos referidos tipos de improbidade3.


A técnica empregada nos arts. 9.º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992 foi a de apresentar, no caput de cada qual, uma descrição conceitual dos atos de improbidade administrativa que compõem a categoria a que o artigo se refere e, exemplificativamente, enumerar, em incisos, diversos atos ou condutas (comissivas e omissivas) nele enquadradas4


Em suma, os ato de improbidade são previstos nos arts. 9.° (enriquecimento ilícito), 10 (dano ao erário), 10-A (concessão ou aplicação indevida de beneficio financeiro ou tributário) e 11 (violação aos princípios da Administração) da Lei 8.429/1992. Também há o art. 52 da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), direcionado exclusivamente aos Prefeitos.


Por fim, alguns tipos legais exigem que a conduta seja cometida com dolo, ao passo que outras admitem a tipicidade também em virtude de culpa. Destarte, deve haver dolo nos casos dos arts. 9º e 11, e ao menos da culpa nas hipóteses do art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa.


Pois bem.


Estabelecidas estas premissas, vamos ao decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


Ministério Público do Estado de São Paulo moveu ação em face de Policial Militar alegando que o PM cometeu ato de improbidade administrativa consistente na prestação de serviço de segurança particular, uma vez que, na qualidade de policial militar, estava impedido de prestar serviços na área privada, nos termos do art. 8º, incisos IX, XIII e XXXV e art. 13, p. único, item 26 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, tudo tipificado no art. 11, caput, e inciso I, da Lei nº 8.429/92.


A Corte Paulista decidiu que não há improbidade na prática do “bico” de segurança privada, porque o ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei 8.429/92, exige a presença do elemento doloso, uma vez que ilegalidade não é sinônimo de improbidade, bem como a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador.


Esclareceu o Tribunal que o réu prestou os serviços de segurança privada nos dias de folga e sem se valer do aparato da Polícia Militar, a fim de aumentar a renda sabidamente diminuta dos policiais, ficando afastada a existência de vontade dirigida para a transgressão, de forma que é impossível a elevação do ato de prestação de serviços de segurança privada para o grau de ímprobo.


O bico é ilegal, configura inflação disciplinar, porém não tipifica ato de improbidade administrativa, notadamente porque a própria Polícia Militar regulamentou o denominado “bico oficial” no qual os policiais militares são autorizados a fazer hora extra no policiamento urbano (vide por exemplo as operações delegadas em parceiras com os Municípios).


Confira-se a decisão:


Apelação Cível – Ato de Improbidade Administrativa – Policial Militar que, nos dias de folga, e sem se valer do aparato da Corporação, prestou serviços de segurança privada – Conduta punida na esfera disciplinar - Ilegalidade não erigida à improbidade – Ausência de dolo na conduta – Sentença de improcedência mantida – Recurso desprovido.

(TJSP; Apelação 1039744-64.2016.8.26.0053; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/08/2018; Data de Registro: 06/08/2018)


Andou bem a justiça paulista, vez que o próprio Estado vem regulamentando, por meio da Lei Complementar 1.227/13 (DIRETRIZ PM3-002/02/16 - DEJEM), o “bico”, autorizando policiais a trabalhar nos horários de folga.


Existe também a Atividade Delegada, um convênio firmado entre as prefeituras e a Secretaria da Segurança Pública, que permite aos policiais militares desempenharem suas funções nos dias de folgas.


Portanto, a trabalho extraordinário do policial nos horários de folga em nada prejudica o serviço policial-militar, uma vez que a própria Polícia Militar autoriza o trabalho extra.

Deste modo, quando o PM exerce atividade de segurança privada nos dias de folga, sem se valer do aparato da Polícia Militar, com o objetivo de aumentar a renda, não pratica improbidade, porque não exite vontade de enriquecer ilicitamente, não causa prejuízo ao erário e não há intensão de violar os princípios da administração pública.

Nestes casos, há mera irregularidade suficientemente punível pelos regulamento disciplinar da Polícia Militar.




BIBLIOGRAFIA


Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado I Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.


Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.


Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.



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1 Pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul, Procurador do Município de Sorocaba, Advogado, foi policial militar em São Paulo.
2 Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 977.
3 Oliveira, op. cit., p. 979.
4 Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado I Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 1101.