CELSO
TARCISIO BARCELLI1
A
base constitucional para a responsabilização pelos atos de
improbidade administrativa encontra-se no § 4.º do art. 37 da
Constituição Federal.
Confira-se:
Art.
37 [….]
§
4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
O
texto constitucional não define improbidade administrativa,
limita-se a enumerar sanções que devem ser aplicadas, deixando a
cargo da norma infraconstitucional a definição dos atos de
improbidade,
no caso é a Lei Federal
Nº
8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992, que traz as definições de
improbidade.
Assim,
improbidade pode ser compreendida como: “ato
ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de
forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de
recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão
ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração
Pública”2.
De
forma geral os atos de improbidade podem ser praticados contra
a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios,
de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de
entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou
concorra com mais de cinquenta
por cento do patrimônio ou da receita anual.
Também
são punidos atos praticados contra
o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou
incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como
daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou
concorra com menos de cinquenta
por cento do patrimônio ou da receita anual (art.
1º, da Lei de Improbidade Administrativa)
Em
regra respondem por ato de improbidade os agentes públicos.
O
art. 2º da Lei de Improbidade traz uma definição genérica e
abrangente de agentes públicos, a saber: reputa-se
agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou
sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,
mandato, cargo, emprego ou função nas entidades descritas
no art. 1º.
Sendo
assim, o conceito abrange agentes políticos, servidores públicos
(estatutários, trabalhistas ou celetistas e temporários) e
particulares em colaboração.
A
polêmica se instala quanto aos agentes políticos, na Reclamação
2.138/DF o Supremo acolheu o entendimento de que os agentes políticos
submetem-se às regras específicas do crime de responsabilidade, na
forma dos arts. 52, I, 85, V, e 102, I, "c", da Carta da
República, assim eles responderiam com base na legislação
especial, que versa sobre os crimes de responsabilidade, não lhes
sendo aplicável a Lei 8.429/1992.
Terceiros,
que não sejam agentes públicos, podem responder por improbidade nas
seguintes hipóteses: (a) a pessoa induz um agente público a
praticar ato de improbidade; (b) ela pratica um ato de improbidade
junto com um agente público ou; (c) ela se beneficia de um ato de
improbidade. Destaca-se que sem
a participação do agente público o terceiro não comete
improbidade.
Quanto
à tipificação esclarece a doutrina:
A
tipificação dos atos de improbidade administrativa é, em regra,
aberta e o rol de condutas elencadas para sua configuração é
exemplificativo, pois os arts. 9.°, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, ao
elencarem determinadas condutas que são tipificadas como atos de
improbidade, utilizam-se da expressão “notadamente”, o que
demonstra que outras condutas também podem ser enquadradas nos
referidos tipos de improbidade3.
A
técnica empregada nos arts. 9.º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992 foi a de
apresentar, no caput de cada qual, uma descrição conceitual dos
atos de improbidade administrativa que compõem a categoria a que o
artigo se refere e, exemplificativamente, enumerar, em incisos,
diversos atos ou condutas (comissivas e omissivas) nele enquadradas4
Em
suma, os
ato de improbidade são previstos nos arts. 9.° (enriquecimento
ilícito), 10 (dano ao erário), 10-A (concessão ou aplicação
indevida de beneficio financeiro ou tributário) e 11 (violação aos
princípios da Administração) da Lei 8.429/1992. Também há o art.
52 da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), direcionado
exclusivamente aos Prefeitos.
Por
fim, alguns tipos legais exigem que a conduta seja cometida com dolo,
ao passo que outras admitem a tipicidade também em virtude de culpa.
Destarte,
deve haver dolo nos casos dos arts. 9º e 11, e ao menos da culpa nas
hipóteses do art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa.
Pois
bem.
Estabelecidas
estas premissas, vamos ao decidido pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo.
Ministério
Público do Estado de São Paulo moveu
ação em face de Policial Militar alegando que o PM
cometeu ato de
improbidade administrativa consistente na prestação de serviço de
segurança particular, uma vez que, na qualidade de policial militar,
estava impedido de prestar serviços na área privada, nos termos do
art. 8º, incisos IX, XIII e XXXV e art. 13, p. único, item 26 do
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, tudo
tipificado no art. 11, caput, e inciso I, da Lei nº
8.429/92.
A
Corte
Paulista decidiu que não há improbidade na prática do “bico”
de segurança privada, porque o
ato
de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei 8.429/92,
exige
a presença
do elemento doloso, uma vez que ilegalidade não é sinônimo de
improbidade, bem
como a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a
conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da
Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador.
Esclareceu
o Tribunal que o réu prestou os serviços de segurança privada nos
dias de folga e sem se valer do aparato da Polícia Militar, a fim de
aumentar a renda sabidamente diminuta dos policiais, ficando afastada
a existência de vontade dirigida para a transgressão, de forma que
é
impossível
a elevação do ato de
prestação
de serviços de segurança privada para o grau de ímprobo.
O
bico é ilegal, configura inflação disciplinar, porém não
tipifica ato de improbidade administrativa, notadamente porque a
própria Polícia Militar regulamentou o denominado “bico oficial”
no qual os policiais militares são autorizados a fazer hora extra no
policiamento urbano (vide por exemplo as operações delegadas em
parceiras com os Municípios).
Confira-se
a decisão:
Apelação
Cível – Ato de Improbidade Administrativa – Policial Militar
que, nos dias de folga, e sem se valer do aparato da Corporação,
prestou serviços de segurança privada – Conduta punida na esfera
disciplinar - Ilegalidade não erigida à improbidade – Ausência
de dolo na conduta – Sentença de improcedência mantida –
Recurso desprovido.
(TJSP; Apelação 1039744-64.2016.8.26.0053; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/08/2018; Data de Registro: 06/08/2018)
(TJSP; Apelação 1039744-64.2016.8.26.0053; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/08/2018; Data de Registro: 06/08/2018)
Andou
bem a justiça paulista, vez que o próprio Estado vem
regulamentando, por meio da Lei Complementar 1.227/13 (DIRETRIZ
PM3-002/02/16 - DEJEM),
o “bico”, autorizando policiais a trabalhar nos horários de
folga.
Existe
também a Atividade
Delegada, um convênio firmado entre as prefeituras e a Secretaria da
Segurança Pública, que permite aos policiais militares
desempenharem suas funções nos dias de folgas.
Portanto,
a trabalho extraordinário do policial nos horários de folga em nada
prejudica o serviço policial-militar, uma vez que a própria Polícia
Militar autoriza o trabalho extra.
Deste
modo, quando o PM exerce atividade de segurança privada nos
dias de folga, sem se valer do aparato da Polícia Militar, com
o objetivo de aumentar
a renda, não
pratica improbidade, porque não exite vontade de enriquecer
ilicitamente, não causa prejuízo ao erário e não há intensão de
violar os princípios da administração pública.
Nestes
casos, há mera irregularidade suficientemente punível pelos
regulamento disciplinar da
Polícia Militar.
BIBLIOGRAFIA
Alexandrino,
Marcelo. Direito administrativo descomplicado I Marcelo Alexandrino,
Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2017.
Carvalho
Filho, José dos Santos. Manual de
direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 31. ed.
rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.
Oliveira,
Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo / Rafael
Carvalho Rezende Oliveira. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.
__________________________
1
Pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul, Procurador do Município de Sorocaba, Advogado, foi policial militar em São Paulo.
2
Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. — 5. ed. rev., atual. e ampl.
— Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 977.
3
Oliveira, op. cit., p. 979.
4
Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado I Marcelo
Alexandrino, Vicente Paulo. - 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 1101.
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