O Ministério
Público Federal apresentou um pacote legislativo denomino “10
medidas contra a corrupção”.
A proposta contém diversos pontos
polêmicos, como o que relativiza a prova ilícita.
Entretanto, o que chamou com mais ênfase
nossa atenção foi a Medida 2 - “teste de integridade”, com
a qual, pessoalmente, discordamos, por contrariar a doutrina e jurisprudência
atual.
Assim, diz o Projeto de Lei que:
Art. 2º A Administração Pública poderá, e os órgãos
policiais deverão, submeter os agentes públicos a testes de
integridade aleatórios ou dirigidos, cujos resultados poderão ser
usados para fins disciplinares, bem como para a instrução de
ações cíveis, inclusive a de improbidade administrativa, e
criminais.
Art. 3º Os testes de integridade consistirão na simulação de
situações sem o conhecimento do agente público, com o objetivo de testar sua conduta
moral e predisposição para cometer ilícitos contra a Administração Pública.
Neste sentido, flagrante
provocado ocorre quando autor é incitado à prática delituosa e,
estando monitorado e sendo acompanhado pela autoridade, resulta totalmente
impossível a consumação do crime para o qual foi estimulado, caracterizando,
assim, o chamado crime impossível.
Destaca Gustavo Octaviano Diniz Junqueira:
“São os famosos casos de
flagrante provocado ou preparado, em que o sujeito imagina que está praticando
um crime, mas na verdade apenas está participando de um jogo de cena montado
pela autoridade estatal, que já tomou providências no sentido de resguardar o
bem jurídico.”
Existe uma intervenção estatal no mecanismo
causal do fato, a vigilância torna inviável qualquer risco ao bem jurídico, não
havendo que se falar em crime, pois a própria tipicidade é excluída; na
realidade, ocorre apenas um teatro, que no máximo pode servir para descoberta
de crimes anteriores, porque, caso contrário, o agente provocador
também deveria ser preso
(art. 333 do Código Penal).
É desta maneira, inclusive, que deve ser
interpretada súmula do Supremo Tribunal Federal: Súmula 145 – “Não há crime quando a preparação do flagrante pela
polícia torna impossível a sua consumação”.
O mesmo entendimento deve
ser aplicado no âmbito disciplinar, já que as penalidades administrativas
apresentam similitude com as de natureza penal, sujeitando-se a um regime
jurídico similar.
Neste sentido, Marçal Justen
Filho destaca:
A doutrina nacional e estrangeira concordam, em
termos pacíficos, que as penalidades administrativas apresentam configuração
similar às de natureza penal, sujeitando-se a regime jurídico senão idêntico,
ao menos semelhante.
Embora não seja possível confundir Direito Penal
e Direito Administrativo (Repressivo), é inquestionável a proximidade dos
fenômenos e institutos .
Cabe citar as lições de
Mauro Roberto Gomes de Mattos:
O direito administrativo sancionador/disciplinar
é apenas mais uma das condições jurídicas de manifestação do ius puniendi do
Estado.
Sua diferença para o direito penal é
apenas de grau ou, em algumas situações, opção legislativa [...] Assim,
não há como falar-se de um ilícito administrativo ontologicamente distinto de
um ilícito penal .
O Projeto de Lei do MPF se mostra
inconstitucional e ilegítimo ao estabelecer a possibilidade de utilização do “teste
de integridade” para fins de prova em processos disciplinares,
civis, de improbidade e criminais.
O “teste de integridade”
fere o princípio fundamental da República Federativa do Brasil, no seu núcleo
essencial, a saber, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
inciso IV, da Constituição da República); isto, porque, o ser humano
individualmente considerado não pode ser sacrificado em nome da coletividade, não
se pode aceitar a incriminação de condutas que nem sequer colocam em risco os
bens jurídicos.
Sabendo que o ato administrativo deve ser
praticado com um mínimo de confiabilidade, honestidade e lealdade, como
defender a moralidade de um jogo de cena montado pela Administração, feito propositadamente
ou com predeterminada intenção de instigar – provocar - a prática de um crime
(falso), que de fato nunca existiu, apenas para fazer o servidor de bobo e
testar a sua honestidade.
O servidor público honesto, que recebe uma
proposta indecorosa por meio de uma SIMULAÇÃO, com toda certeza, se sentirá
aviltado em sua honra, menosprezado em sua dignidade, com tal oferta indecente
dirigida mediante uma “peça teatral” conduzida pela
administração.
Art.
333 – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em razão da
vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o
pratica infringindo dever funcional.