CELSO
TARCISIO BARCELLI1
Breve
introdução ao Direito Internacional Humanitário - DIH
É
falsa a afirmação popular de que na guerra e no amor valem tudo, ao menos
quanto à primeira existem inúmeros instrumentos normativos internacionais que
limitam os meios e métodos de combate.
As
regras costumeiras do direito de guerra nasceram quase que simultaneamente com
as primeiras relações entre as comunidades.
Em
uma definição resumidíssima e simplificada, o DIH é um conjunto de normas
internacionais, que limitam o direito de as partes em conflito escolherem
livremente os métodos e meios de combate, com o objetivo de prevenir a mutua
aniquilação naturalmente decorrente do uso da violência sem limites. O DIH
existe para preservar a própria humanidade2. Seus principais destinatários são
os soldados.
Neste
aspecto, importante esclarecer breves diferenças entre Diretos Humanos e
Direito Humanitário (apesar de parte da doutrina compreender que os dois estão
fundidos).
Direitos
humanos: protegem qualquer pessoa em qualquer tempo contra atos
de agentes do seu próprio Estado; alguns direitos podem ser derrogados durante
estado de sítio.
Direito
humanitário: protege civis, feridos, prisioneiros de
guerra, pessoal sanitário e religioso e da Cruz Vermelha em tempo de conflito
armado contra atos do próprio Estado ou outro Estado e grupos armados sob um
comando responsável, são direitos que nunca podem ser derrogados.
Existem
vários tratados3que
cuidam da regulamentação dos meios e métodos de combate, proteção de pessoas e
bens, proibição do uso de certas armas etc., mas citam-se como fonte principal
do DIH os costumes internacionais4, a Convenção de Genebra de 1949 e
seu respectivo Protocolo Adicional I de 1977.
Conceito
de Combatente
Os
membros das forças armadas são considerados combatentes legais ou
privilegiados, que podem não ser processados por participar das hostilidades,
enquanto respeitarem o Direito Internacional Humanitário (DIH)5.
Civis
podem ser considerados combatentes se pegarem em armas espontaneamente para
combater tropas invasoras, tragam armas à vista e respeitem as leis de guerras.
Como não há uma definição taxativa de combatente, alguns apontam que o
importante para obter o status de combatente é respeitar o DIH, portar arma
ostensivamente e estar sob um comando responsável ligado a uma das partes em
conflito.
Os
combatentes têm direito de participara das hostilidades e se capturados são
considerados prisioneiros de guerra, a condição de prisioneiro de
guerra importa em dois importantes direitos, a saber: a) enquanto capturado
tem direito a tratamento justo, não ser insultado, não sofrer represálias e
cuidados médicos; b) imunidade como combatente, impede que seja julgado por
atos de guerra ou por atos praticados antes de ser capturado como prisioneiro
de guerra.
Alguns
civis engajados ilegalmente nas hostilidades podem até receber a condição de
prisioneiro de guerra quando capturados, todavia, não recebem a imunidade de
combatente6.
Companhias
militares privadas ou mercenários?
Um
exército regular normalmente é empregado em uma guerra por decisão de um
parlamento; em outras palavras, o soldado regular luta porque o seu país
necessita e não porque quer.
Modernamente,
operam no mundo as companhias militares privadas, tratam-se de verdadeiras
empresas de negócios objetivando lucros (algumas até com ações na bolsa),
criadas normalmente por ex-oficiais de alta patente (generais etc.) que
empregam ex-militares ou policias com carreira em forças especiais, que uma vez
fora da caserna não conseguem se adaptar ao estilo de vida civil, necessitam do
ambiente militar, da camaradagem, das armas, da adrenalina do combate9.
Embora
digam que prestam apenas serviços de proteção de pessoas, instalações, bens e
comboios, treinamento a forças locais e operações de logística e sistema de
armas, o que se chama de “proteger e escapar”; a verdade é que algumas destas
companhias conduzem verdadeiras operações militares, funções ativas e não
defensivas.
Ao
citar Keegan, CINELLI argumenta que todos os exércitos regulares costumam
recrutar mercenários para travar escaramuças10 por eles; na atualidade, o que
justifica o emprego de CMPs é o baixo custo de contratação em comparação com
formação de membros de exércitos regulares (uma observação nossa, o baixo custo
além de outros fatores, se deve ao fato de que os empregados das CMPs foram
formados pelo próprio Estado).
Na
acepção tradicional da palavra, os empregados das CMPs seriam mercenários,
porque lutam por dinheiro, lucro é o objetivo de qualquer empresa e não é
diferente com as CMPs.
Os
executivos destas empresas rechaçam o título de mercenários modernos,
aproveitando inclusive um vácuo legislativo sobre o tema.
É
que a situação jurídica destas empresas é nebulosa porque não existe nenhuma
norma que regulamentem suas atividades, salvo a autorregulação do próprio
setor.
Ademais,
o art. 47 do Protocolo Adiciona I à Convenção de Genebra de 1949 impõe tantos
requisitos, que juridicamente é difícil enquadrar alguém como mercenário; é
neste contexto que operam as CPMs.
Bastante
didática a lição de CINELLI:
“Apesar
de operarem em um domínio militar, eles não são parte das forças militares e
permanecem fora da cadeia de comando. São civis, mas não como costumamos
enxergar os civis – inocentes expectadores ou não combatentes acompanhando as
forças armadas-, já que lhes são atribuídas tarefas militares. Essa ausência de
uma definição significa que eles carecem de proteção legal caso sejam
capturados pelo inimigo, ou seja, estariam na mesma área nebulosa – segundo uma
perspectiva norte-americana – dos ‘combatentes ilegais’ presos em Guantánamo”11.
Política
externa e uso de companhias militares privadas
Talvez
a falta de regulação destas empresas seja proposital e a expressão-chave para
esta conclusão é “permanecem fora da cadeia de comando”, isto
significa que os atos praticados pelos empregados das CMPs não podem ser
imputados ao Estado.
Cinelli
esclarece:
“[…]
o mais preocupante seja mesmo o problema de controlar e regular as ações desses
contratados numa área de conflito onde o sistema legal tenha entrado em colapso
e os códigos normais de conduta, existentes em tempos de paz, a eles sejam
inaplicáveis. Além disto, como civis, eles não podem ser submetidos a cortes
marciais. Após três anos de operações no Iraque, nenhum empregado de CMP havia
sido acusado de qualquer crime, o que significa, conforme assinalaram Gutman e
col. (2007, p. 337), que ‘ou o mercado encontrou 20.000 perfeitos anjos em meio
ao cenário de guerra, ou o hiato jurídico está permitindo que crimes sejam
cometidos impunemente’ […] seu emprego não padece dos mesmos riscos políticos
envolvidos em baixas de soldados regulares”12 13.
A
mais famosa CMP, a americana Blackwater, atualmente rebatizada de Academi,
é uma empresa militar privada fundada em 1997, que prestou serviço de
segurança na embaixada americana em Bagdá, escolta de autoridades no Iraque e
operações de apoio ao exército do USA no Oriente Médio, a empresa também
possuem atividades na Colômbia, entre outros países.
Há
rumores de que a Blackwater tenha operado em plataformas de petróleo
administradas por empresas americanas e situadas na plataforma continental
brasileira, devidamente licitadas pela ANP. Recentemente surgiram notícias de
que a Blackwater tem um plano para colocar 5 mil soldados mercenários na
Venezuela para auxiliar o líder da oposição Juan Guaidó a derrubar o Presidente
(Ditador) Maduro14.
O
Wagner Group é uma empresa militar privada (CMP) cuja missão principal é
cumprir missões militares atendendo a políticas externas da Rússia. A WAGNER
firmou contrato com o governo sírio, fixando seu pagamento na forma de
participação de 25% da produção dos campos de petróleo que, porventura, ela
ocupasse. A empresa conduziu operações militares na Ucrânia/Criméia, Síria,
República Centro-Africana e Sudão15.
Também
circula notícia de que empresas militares privadas que fazem missões secretas
para a Rússia realizaram viagens à Venezuela nos últimos dias para reforçar a
segurança do presidente Nicolas Maduro16.
Conclui-se que as CMPs são um eficiente e poderoso mecanismo da política externa, como
empresas privadas e não tendo laços formais com os governos, operam livre de
fiscalização e à margem das leis de guerra, o emprego destas empresas não
ocasiona os riscos políticos do emprego de tropas regulares, porém são um
enorme risco aos direitos humanos.
______________________________________
1 Pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do
Sul, Procurador do Município de Sorocaba, Advogado, foi policial militar em São
Paulo.
2 Conceito extraído da obra de CINELLI, Carlos Frederico. Direito
internacional humanitário: ética e legitimidade na aplicação da força em
conflitos armados. Curitiba, Juruá, 2011.
3 Aqui no sentido de tratado, convenção, declaração, pacto,
protocolo, estatuto, entre outras denominações.
4 Jus cogens são as normas imperativas do Direito
Internacional, desenvolvidas por meio de tratados e de costumes internacionais,
são cogentes porque observadas por todos os sujeitos de Direito Internacional.
5 Cruz Vermelha: <https://www.icrc.org/pt/doc/resources/documents/misc/6eqnsd.htm>
acesso em 06.02.2019.
7 Aqui a palavra combatente é usada em sentido amplo, significando
quem combate ou está preparado para combater e não no sentido jurídico do DIH. "combatente",
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
https://dicionario.priberam.org/ combatente [consultado em 07-02-2019].
8 CINELLI, p. 148, citando KALDOR, esclarece que a motivação
econômica é inadequada para a guerra, em nome de batalhas humanizadas, os mercenários
não são amparados pelo DIH, porque lutam sem “dar quartel” (significa que, numa
batalha, não se acolhe o inimigo, mesmo que ele se renda).
9 Alguns usam este argumento para justificar que não são
mercenários, porque lutam por outros motivos e não por dinheiro, argumento que
não convence, porque, com certeza, também os mercenários devem lutar pela
adrenalina e não apenas pelo dinheiro.
13 Apesar desta constatação, em 2015 um ex-agente da empresa de
segurança privada Blackwater foi sentenciado à prisão perpétua e outros três
receberam penas de 30 anos de prisão pelo massacre ocorrido em 2007 no Iraque –
noticia do G1, acesso em 18.05.2019 em:
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