sábado, 15 de outubro de 2011

Punição com base apenas em provas produzidas na investigação preliminar

A Investigação Preliminar é um procedimento adotado pela administração militar quando há suspeita de cometimento de infração disciplinar, mas não existe, ainda, indício suficiente para instauração de processo disciplinar.

Assim, ao se deparar com uma comunicação disciplinar que não reúne condições para instauração de processo é comum que a autoridade disciplinar determine uma investigação prévia.

Neste caso também é comum que após a investigação a autoridade dispense a manifestação preliminar do acusado, pois entende que já existe indícios suficientes para promover a elaboração do termo acusatório e instaurar o processo disciplinar.

Ocorre que, aos moldes do Inquérito Policial, a Investigação Preliminar não possui contraditório, pois o oficial encarregado da IP irá ouvir testemunhas sem a participação do acusado, não será dado oportunidade ao acusado ou ao seu defensor de fazer reperguntas, o encarregado conduz o procedimento sem a participação da defesa.

Neste prisma, seria possível a punição do acusado apenas com base nas provas produzidas na Investigação Preliminar?
Dúvida não existe sobre a similitude do Direito Disciplinar com o Direito Penal e com o Direito Processual Penal.

Neste sentido:


“No caminho dos mais perspicazes, por conseqüência mais arrojados, citem-se as lições de Egberto Maia Luz que, a começar pelo título de uma de suas obras, nitidamente postula a diferenciação entre “Direito Disciplinar” e Direito Administrativo. Na construção do ilustre doutrinador, encontrar-se-á, por exemplo, a exaltação da proximidade do direito de punir da Administração com o Direito Penal e, conseqüentemente, do Direito Processual Administrativo com o Direito Processual Penal [...] “[1] (Grifei).

Assim diz a Constituição Federal em seu artigo 5º:


“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”

“LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

– grifei –

A Constituição vem nos informar que o individuo só pode ser punido se houver processo com provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, incluído aí o processo administrativo.

Por sua vez o CPPM estabelece:


Art. 297. O juiz formará convicção pela livre apreciação do conjunto das provas colhidas em juízo. [...] – grifei –


Note, mais uma vez, a Lei diz que a prova deve passar pelo crivo do contraditório e ampla defesa, é o que se depreendi da expressão “colidas em juízo”, não são aceitas aqui as provas produzidas apenas no Inquérito Policial, pois estas não passam pelo filtro do contraditório e da ampla defesa.


O CPP estabelece o mesmo princípio, vejamos:

“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”


O Código de Processo Penal Comum vem estabelecer o mesmo princípio elencado no CPPM, apenas trazendo maiores detalhes para esclarecer que ninguém poderá ser condenado com base apenas em provas colidas no Inquérito, pois nele não há contraditório e ampla defesa.


O RDPM e a I-16-PM são omissos quanto ao julgamento baseado apenas nas provas produzidas na fase de investigação, mas estabelecem que nos casos omissos aplica-se o CPM e o CPPM, bem como deve prevalecer à norma hierarquicamente superior (artigo 2º, da I -16 PM).

Por fim diz o anexo III à Portaria do Cmt G Nº CorregPM-004/305/01, artigo 8º, inciso III:


“os atos probatórios serão realizados na presença do militar do Estado acusado ou do seu defensor, sendo a qualquer deles permitido perguntar e reperguntar às testemunhas, por intermédio do Presidente, de tudo, mantendo-se registros escritos.” (grifei).


O que significa dizer que aqui também restou consagrado que o acusado não pode ser punido com base em prova produzida sem o contraditório e a ampla defesa.

Diante de tudo o que foi exposto, não resta dúvida, o Inquérito Policial está para o Processo Penal assim como a Investigação Preliminar está para o Processo Disciplinar, ou seja, os dois guardam similitude.

Tendo em vista todos os princípios acima elencados, a começar pela Constituição, podemos dizer que assim como não é possível condenar alguém com base em provas contidas apenas no Inquérito Policial, também não é possível punir o militar apenas com base em provas colidas na Investigação Preliminar.

Portanto, uma decisão baseada apenas nas provas contidas na Investigação Preliminar deve ser reformada por insuficiência de provas, visto que em tais casos a prova não passou pelo crivo do contraditório e da ampla defesa, possuindo apenas força de indicio para instauração do processo, mas não tem força suficiente para fundamentar uma punição.

Neste sentido é a jurisprudência do STF:


"A garantia do direito de defesa contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processos judiciais ou administrativos." (RE 426.147-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-3-2006, Segunda Turma, DJ de 5-5-2006.) Vide: RE 459.623-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 24-11-2009, Segunda Turma, DJE de 18-12-2009) – grifei-


“Ementa
INQUÉRITO - ELEMENTOS - CONDENAÇÃO. Surge insubsistente pronunciamento condenatório baseado, unicamente, em elementos coligidos na fase de inquérito.”
(HC 96356/RS - RIO GRANDE DO SUL).


Este é o nosso posicionamento, que não pretende esgotar a matéria, mas apenas enriquecer o debate.




[1] Cícero Robson Coimbra Neves, 1º ten PM servindo na Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, bacharel em Direito pela FMU, DIREITO PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL MILITAR, Ano 3 - Volume 6, nº 3, Julho/dezembro 2004, “Caderno Jurídico”, co-edição ESMP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, p. 191.

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