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CELSO TARCISIO BARCELLI
Procurador do Município de Sorocaba
Bacharel em Direito
Aluno da pós-graduação em Direito Militar da Universidade Cruzeiro do Sul
Resumo:
O presente artigo trata da dosimetria da sanção disciplinar, busca apontar que
não há juízo de conveniência e oportunidade no momento de estabelecer a
quantidade de pena disciplinar a ser aplicada ao servidor público faltoso, na
verdade, o julgador está obrigado a seguir critérios legais, devendo, ainda,
apontar em sua decisão, de forma fundamentada, como chegou à determinada
quantidade de pena disciplinar.
1. Considerações iniciais
O
presente artigo nasce de uma constatação ocorrida durante a militância na
advocacia militar, qual seja: a autoridade disciplinar militar, na esmagadora
maioria dos procedimentos disciplinares, ao estabelecer a sanção disciplinar,
não costuma esclarecer o modo pelo qual chegou à determinada quantidade de pena
disciplinar.
Na
verdade, o que temos notado é que a dosimetria da sanção no enquadramento
disciplinar tem se resumido a expressões do tipo: “... Fica de permanência por 3 (três) dias, nos termos do artigo 17,
parágrafo único do RDPM...”
Perceba,
na expressão acima, a autoridade disciplinar não explicitou como concluiu que a
sanção deveria ser aplicada na quantidade indicada, não foram indicado os
critérios aplicados.
A
título de exemplo, na sentença penal a pena é dosada desta maneira:
“Na aplicação da pena (1ª fase)
sopesando as circunstâncias judiciais dos arts. 69 e 77, ambos do CPM, e
observando que a conduta do acusado não ultrapassou a normal reprovabilidade do
delito, que a gravidade do delito não supera a estabelecida no Tipo Penal
Militar, ainda, à míngua de elementos nos autos para aferir a personalidade do
agente, deverá a pena-base ficar no mínimo legal, ou seja, 3 anos de reclusão.
Na segunda fase, não incidem
agravantes; ainda que o acusado tenha reconhecido que já foi processado perante
a justiça comum, a falta de certidão cartorária comprovando a reincidência
impede o reconhecimento de tal agravante. Também, a falta de prova da reparação
do dano, impede a incidência da atenuante do art. 72, inc., III, do CPM.
Na terceira fase não existem causas
de aumento ou diminuição.
Por todo o exposto, RESOLVE o
Conselho Permanente de Justiça para a Marinha, sem divergência de votos, julgar
procedente a pretensão punitiva do Estado e condenar o 3º Sargento FULANO, já
qualificado nos autos, como incurso nas sanções do art. 303 do CPM, fixando a
pena-base, no mínimo legal, em 3 anos de reclusão de acordo com as
circunstâncias judiciais dos arts. 69 e 77, tornando-se definitiva em virtude
da ausência de agravantes, atenuantes e causas de aumento ou diminuição,
fixando o regime inicial aberto para o cumprimento da pena, nos termos do art.
33 do Código Penal Comum.”
Desta
maneira, ao contrário do administrador, o juízo penal indica pormenorizadamente
como concluiu pela quantidade de pena.
Neste
diapasão, temos o entendimento de que, em respeito à dignidade da pessoa
humana, ao princípio da motivação dos atos administrativos, da razoabilidade e proporcionalidade
e para garantir o efeito educativo da sanção, a autoridade administrativa deve
indicar como chegou à determinada quantidade de pena disciplinar dentro dos
parâmetros mínimo e máximo indicados pelo legislador.
2. Da necessidade de motivação ao
indicar a dosagem da sanção
2.1. Dignidade Humana
Na
lição de Uadi Lammêngo Bulos, tal princípio envolve valores espirituais e
materiais. Seu acatamento representa uma vitória contra a intolerância, o
preconceito, a exclusão social, a ignorância e a tirania.[1]
Neste
sentido, tirania é o poder exercido sem o controle dos súditos, logo se revela
opressora, arbitrária e despótica uma sanção imposta sem explicar como se
chegou a sua dosagem, ora o servidor público tem o direito de saber por qual
motivo lhe foi aplicada a pena X no lugar da Y, para que possa exercer o
controle administrativo ou judicial da legalidade da punição.
2.2. Motivação dos atos
administrativos
Irene
Patrícia Nohara ao discorrer sobre a motivação sentencia: “A motivação coaduna-se como princípio da publicidade dos atos e com a
ampla defesa, pois as pessoas só podem impugnar um ato se tiverem conhecimento
de suas razões”.[2]
2.3. Razoabilidade e
Proporcionalidade
Nohara
citando Gordilho esclarece que o ato administrativo “pode ser considerado irrazoável: se não explicar os fundamentos de
fato ou de direito que o sustentam; se não levar em conta fatos constantes do
expediente ou assuntos públicos notórias; e se não guardar proporção adequada entre os meios que emprega e o fim
que deseja alcançar.”[3]
Proporcionalidade
é, grosso modo, adequação entre o meio escolhido e o fim almejado, é a
indagação se não existe um meio menos gravoso de se alcançar o que se pretende.
Destarte,
só é possível aferir se a sanção disciplinar é adequada, se não existe sanção
menos gravosa que possa surtir o mesmo efeito (manutenção da disciplina e
educação do apenado) quando a autoridade fundamenta a decisão explicitando o
modo pelo qual chegou àquela dosagem de sanção.
2.4. Efeito educativo da sanção
Uma
das finalidades da sanção disciplinar é reeducação ou ressocializado (prevenção
especial positiva). Portanto, o administrado deve saber exatamente o que o
levou a sofrer determinada pena para que no futuro possa se corrigir.
Note
que o simples fato de indicar a quantidade de sanção sem, contudo, indicar como
se chegou e esta quantidade, não satisfaz o princípio da reeducação, porque o
militar/servidor público acaba por não conhecer todas as razões de sua punição,
como por exemplo: por que foi lhe imposto dois dia de permanência disciplinar (ou
suspensão) no lugar de apenas um
.
Logo,
não conhecendo todas as razões de sua punição resta difícil se corrigir.
2.5. Conclusão
De
todo o exposto, seja do ponto de vista do controle de legalidade do ato
sancionatório, seja do ponto de vista da reeducação (fazer o servidor voltar às
raias de disciplina), é necessário indicar como se estabeleceu determinada
quantidade de pena disciplinar.
3. Sistema bifásico de aplicação de
sanção disciplinar no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de
São Paulo.
No
que tange à dosimetria da reprimenda
esclarece Mauro Roberto Gomes de Mattos:
“Restando provada a prática da infração disciplinar,
após todo o iter legal do processo administrativo disciplinar, a Autoridade administrativa instauradora
é obrigada a dosar a penalidade, para após chegar a determinação quantitativa
da pena a ser imposta no caso concreto, observado, de igual forma os demais
elementos previstos em lei” [4]
Destarte,
não cabe fazer juízo de conveniência e oportunidade no momento de dosar a pena ao
militar faltoso, posto que a autoridade administrativa deve seguir os critérios
estabelecidos em lei para aplicação da sanção disciplinar.
Na
verdade, ao que parece, o Regulamento Disciplinar da Milícia Bandeirante (Lei
Complementar Estadual nº 893/2001) estabeleceu um sistema bifásico para
aplicação da sanção, similar ao sistema trifásico do Código Penal Comum e do
Código Penal Militar.
Vejamos:
Reza
o artigo 33 da Lei em comento:
“Artigo 33 - Na aplicação das sanções
disciplinares serão sempre considerados a natureza, a gravidade, os motivos
determinantes, os danos causados, a personalidade e os antecedentes do agente,
a intensidade do dolo ou o grau da culpa.”
Desta
maneira, o artigo 33 do RDPM apresenta os critérios que nortearão a primeira
fase da dosimetria da pena a ser imposta ao militar acusado, a saber:
1-
natureza da transgressão: leve, média ou grave;
2-
gravidade: repercussão no prestígio da corporação;
3-
motivos determinantes: descrever os motivos que determinaram a
instauração do processo;
4-
danos causados: apontar o efetivo prejuízo para a administração;
5-
personalidade do agente: é a análise da índole do PM;
6-
antecedentes: é o histórico profissional;
7-
intensidade do dolo ou grau de culpa: é a censurabilidade da conduta.[5]
Analisados
os critérios acima, de maneira muito similar ao que ocorre no artigo 59 do
Código Penal Comum e artigo 69 do Código Penal Militar, a autoridade, em uma primeira fase, estabelece a pena base.
Prosseguindo
no julgamento, o julgador irá adotar a segunda
fase da aplicação da sanção, que consiste nas causas atenuantes e
agravantes [6],
elencadas nos artigos 35 e 36 do Regulamento disciplinar da Polícia Militar do
Estado de São Paulo; no Código Penal Militar seriam os artigos 70 e 72 e no
Código Penal Comum artigos 65/66 e 62/62.
Vejamos
os dispositivos do RDPM:
“Artigo 35 - São circunstâncias
atenuantes:
I - estar, no mínimo, no bom
comportamento;
II - ter prestado serviços relevantes;
III - ter admitido a transgressão de
autoria ignorada ou, se conhecida, imputada a outrem;
A atenuante diz respeito à apuração da
autoria da transgressão.
IV - ter praticado a falta para evitar
mal maior;
V - ter praticado a falta em defesa de
seus próprios direitos ou dos de outrem;
VI - ter praticado a falta por motivo de
relevante valor social;
VII - não possuir prática no serviço;
VIII - colaborar na apuração da
transgressão disciplinar.
Artigo 36 - São circunstâncias
agravantes:
I - mau comportamento;
II - prática simultânea ou conexão de
duas ou mais transgressões;
III - reincidência específica;
IV - conluio de duas ou mais pessoas;
V - ter sido a falta praticada durante a
execução do serviço;
VI - ter sido a falta praticada em
presença de subordinado, de tropa ou de civil;
VII - ter sido a falta praticada com
abuso de autoridade hierárquica ou funcional.
§ 1º - Não se aplica a circunstância
agravante prevista no inciso V quando, pela sua natureza, a transgressão seja
inerente à execução do serviço.
§ 2º - Considera-se reincidência
específica o enquadramento da falta praticada num mesmo item dos previstos no
parágrafo único do artigo 13 ou no item 2 do § 1º do artigo 12.”
“No caso de prevalecerem somente atenuantes a
sanção deve estar mais próxima do seu mínimo.”
[7]
Por
fim, não há uma terceira fase, que no Direito Penal seria a incidência da
causas de aumento e diminuição de pena.
Portanto,
observa-se que o RDPM estabelece parâmetros que devem ser observados pelo
julgador na hora da dosagem da reprimenda. Logo, não pode a autoridade
simplesmente “chutar” uma sanção sem qualquer motivação, ela deve,
justificando nos itens acima apontados, demonstrar como chegou à determinada
quantidade de pena.
4. O critério de dosimetria no
Estatuto dos Servidores de Sorocaba
A
título de comparação resolvemos investigar o critério de dosagem da sanção em um
regulamento civil.
Do
mesmo modo que no RDPM, o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Sorocaba
(Lei Municipal nº 3.800/1991) parece, salvo melhor juízo, estabelecer um
sistema bifásico, como uma pena base em primeira fase e uma segunda fase com a
incidência de agravantes e atenuantes; vejamos:
“Art. 159 - Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade
da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público,
as CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES OU ATENUANTES, os antecedentes funcionais atendendo-se, sempre, a devida proporção
entre o ato praticado e a pena a ser aplicada.” - grifamos
Assim,
na primeira fase seriam considerados: a natureza e gravidade da infração, danos
ao serviço público e antecedentes funcionais; note, ainda, a determinação da
aplicação do princípio da proporcionalidade.
Na
segunda fase incidem as agravantes e atenuantes; assim elencadas:
“Art. 188 - Apresentadas as razões finais pelo Advogado de
Defesa, os autos serão remetidos ao Denunciante que, no prazo de 10 (dez) dias,
apreciará todos os elementos do processo, apresentando relatório fundamentado,
no qual proporá a absolvição ou a punição do funcionário, indicando, neste
caso, a pena cabível, bem como o seu embasamento legal.
§ 1º - Na forma prevista no artigo 159, deverão ser consideradas como circunstâncias atenuantes para aplicação da pena cabível:
a) O bom comportamento;
b) A ausência de qualquer penalidade
anterior, comprovada através de certidão da vida funcional;
c) Inexperiência no serviço;
d) Ter sido cometida a transgressão para
evitar mal maior;
e) Ter sido confessada espontaneamente,
quando ignorada ou imputada a outrem.
§ 2º - Como circunstâncias agravantes, deverão ser consideradas para aplicação da pena:
a) Mau comportamento;
b) Prática simultânea de duas ou mais
transgressões;
c) Concurso de duas ou mais pessoas;
d) Ter abusado o transgressor de sua
autoridade hierárquica ou funcional;
e) Ter sido praticada premeditadamente.
§ 3º - O relatório e todos os elementos dos autos serão remetidos ao Julgador, o qual emitirá parecer final dentro de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei nº 4724/1995)”
5. Conclusão
Diante de todo o exposto, não há que
se falar em juízo de conveniência e oportunidade no momento de dosar a reprimenda
disciplinar ao servidor público/ militar faltoso, posto que a autoridade julgadora
deve seguir os critérios estabelecidos em lei para aplicação e dosagem da
sanção disciplinar.
REFERÊNCIAS
BULOS,
Uadi Lammêngo – Direito Constitucional ao alcance de todos. – São Paulo:
Saraiva, 2009.
MATTOS,
Mauro Roberto Gomes, Tratado de Direito Administrativo Disciplinar, 2. Ed. –
Rio de Janeiro: FORENSE, 2010.
NOHARA,
Irene Patrícia – Direito Administrativo: versão compacta – 10. Ed. – São Paulo:
Atlas, 2013
REGULAMENTO
DISCIPLINAR DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO- Direito Administrativo
Disciplinar, Anotado, Comentado, Revisado e Ampliado, 4ª Edição, Suprema
Cultura, 2010.
[1]
Bulos, Uadi Lammêngo – Direito Constitucional ao alcance de todos. – São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 221.
[2]
Nohara, Irene Patrícia – Direito Administrativo: versão compacta – 10. Ed. –
São Paulo: Atlas, 2013. P. 27.
[3]
Idem, p. 21, grifamos.
[4]
Mattos, Mauro Roberto Gomes, Tratado de Direito Administrativo Disciplinar, 2.
Ed. – Rio de Janeiro: FORENSE, 2010, pág. 738 – grifamos.
[5]
REGULAMENTO
DISCIPLINAR DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO- Direito Administrativo
Disciplinar, Anotado, Comentado, Revisado e Ampliado, 4ª Edição, Suprema
Cultura, 2010, pág. 222.
[6]
Idem, pág. 229.
[7]
Ibidem, pág. 241.
Justo o que eu procurava sobre advocacia militar
ResponderExcluirJusto o que eu procurava sobre dosimetria. Muito obrigada
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