quarta-feira, 12 de março de 2014

Polícia Militar e a Inconstitucionalidade das Leis que pretendem impedir o uso de "Bala de Borracha" durante protestos e distúrbios civis.


CELSO TARCISIO BARCELLI
Procurador do Município de Sorocaba
Bacharel em Direito
Aluno da pós-graduação em Direito Militar da Universidade Cruzeiro do Sul




O presente trabalho pretende apontar a inconstitucionalidade dos projetos de Lei nº 608/2013 e nº 647/2013 que tramitam na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e pretendem impedir o uso de “Bala de Borracha” pelas Forças de Segurança.



Da Polícia Militar

Cumpre destacar o importante papel constitucional exercido pela Polícia Militar.

Com o efeito, a PM é força auxiliar e reserva do Exército, nos termos do art. 144, § 6º da Constituição. Assim o Legislador Constituinte de 1988 manteve a tradição nacional, que remonta os tempos de Exército, Milícia e Ordenanças, ao estabelecer a PM como segunda linha de defesa da nação, ou seja, a Polícia Militar pode ser convoca para apoiar o Exército na defesa da pátria.

Esclarecemos que a idéia da Polícia Militar como força auxiliar aparece já em 1908 com a Lei 1.860/1908, sendo atrelada ao Exército com a Lei 3.216/1917, passa pela Constituição de 1934 (art. 167), pela Constituição de 1946 (art. 183), também vemos tal determinação no art. 13, § 4º da Constituição de 1967 e, por fim, esta condição fica mantida com a Constituição Federal de 1988 (art. 144, § 6º). Deste modo é da tradição do direito pátrio manter a PM como força auxiliar do Exército, nada tendo haver com resquícios da Ditadura Militar. Cabe às Polícias Militares do Brasil atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem incorporando-se à Força Terrestre (Exército) para defesa interna e territorial.[1]

Ademais, a preservação da ordem pública é atribuição exclusiva da PM (art. 144, § 5º, da CF); vale dizer que a atribuição da PM é muito mais ampla do que a de qualquer outra polícia. Ora, a Polícia Federal exerce o papel de polícia judiciária federal, de reprimir o tráfico de drogas, contrabando, descaminho, a função de polícia marítima, aeroportuária e de fronteira; às Polícias Rodoviária e Ferroviária Federal cabe o patrulhamento de rodovias e ferrovias federais; às Polícias Civis cabe a polícia judiciária.

No entanto, à Polícia Militar cabe a manutenção da ordem pública, note não há limitação de local para o exercício da atribuição da PM, como no caso da PRF e PFF, bem como não existe indicação de função específica como a PF e PC.

A ordem pública pode ser entendida como sendo uma situação de convivência pacífica e harmoniosa da população, fundada nos princípios éticos vigentes na sociedade, e refere-se à paz e à harmonia da convivência social, excluídos assim, a violência, o terror, a intimidação e os antagonismos deletérios, que deterioram àquela situação”.[2]

Assim sendo, cabe à PM manter o estado de paz social, note a importância do papel de Polícia Militar frete aos outros órgãos de segurança.

“Qual se constata, clara emerge, dos dispositivos em foco, a competência das Polícias Militares quanto -à manutenção da ordem pública e segurança interna-, ao asseguramento - ou à garantia - do -cumprimento da lei-, da -manutenção da ordem pública- e do -exercício dos poderes constituídos-, e, -em caso de perturbação da ordem- sua competência de restabelecê-la, restaurá-la. Isso, frise-se, atuando mediante o policiamento ostensivo, como de modo preventivo e repressivo, consoante a situação sobre a qual devam exercer a função policial-militar, a atividade policial-militar.

A competência de polícia ostensiva das Polícias Militares só admite exceções constitucionais expressas: as referentes às polícias rodoviária e ferroviária federais (art. 144, §§ 2º e 3º), que estão autorizadas ao exercício do patrulhamento ostensivo, respectivamente, das rodovias e das ferrovias federais. Por patrulhamento ostensivo não se deve entender, conseqüência do exposto, qualquer atividade além da fiscalização de polícia: patrulhamento é sinônimo de policiamento.
Em outras palavras, no tocante à preservação da ordem pública, às Polícias Militares não só cabe o exercício da polícia ostensiva, na forma retro examinada, como também a competência residual de exercício de toda atividade policial de segurança pública não atribuída aos demais órgãos.

A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública engloba inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como um verdadeiro exército da sociedade. Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema da -ordem pública- e, especificamente, da -segurança pública-.
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A proteção às pessoas físicas, ao povo, seus bens e atividades, há de ser exercida pela Polícia Militar, como polícia ostensiva, na preservação da ordem pública, entendendo-se por polícia ostensiva a instituição policial que tenha o seu agente identificado de pleno, na sua autoridade pública, simbolizada na farda, equipamento, armamento ou viatura. Note-se que o constituinte de 1 988 abandonou a expressão policiamento ostensivo e preferiu a de polícia ostensiva, alargando o conceito, pois, é evidente que a polícia ostensiva exerce o Poder de Polícia como instituição, sendo que, na amplitude de seus atos, atos de polícia que são, as pessoas podem e devem identificar de relance a autoridade do policial, repita-se, simbolizada na sua farda, equipamento, armamento ou viatura.- (-Da Segurança Pública na Constituição de 1 988-. Revista de Informação Legislativa, nº 104, 1 989, págs. 233 a 236. Do autor, os destaques; sublinhou-se.)”
[3]


Das Forças Armadas, Polícia Militar e a Ordem Pública

A constituição da República atribuiu também às Forças Armadas o papel de defesa da ordem interna.
Reza a Carta Maior:
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Desta maneira, o art. 142 da CF ao tratar das Forças Armadas lhe incumbiu da defesa da lei e ordem, neste sentido esclarece José Afonso da Silva:

“A Constituição vigente abre a elas um capítulo do Título V sobre a defesa do Estado e das instituições democráticas com a destinação acima referida, de tal sorte que sua missão essencial é a da defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, o que vale dizer defesa, por um lado, contra agressões estrangeiras em caso de guerra externa e, por outro lado, defesa das instituições democráticas, pois a isso corresponde a garantia dos poderes constitucionais, que, nos termos da Constituição, emanam do povo (art. 1º, parágrafo único). Só subsidiária e eventualmente lhes incumbe a defesa da lei e da ordem, porque essa defesa é de competência primária das forças de segurança pública, que compreendem a polícia federal e as polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal.” [4]

No mesmo sentido diz Uadi Lammêngo Bulos: “Esporadicamente, contudo, incumbe-lhes defender a lei e a ordem interna, atribuições típicas de segurança pública”[5]

A seguir, transcrevemos conclusão do Parecer nº GM – 025 da Advocacia Geral da União que conclui que quando empregada na lei e ordem as Forças Armadas exercem o papel de Polícia Militar; vejamos:
“O emprego, emergencial e temporário, das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem - viu-se - ocorre -após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal- (cf. Lei Complementar nº 97, de 1 999, art. 15, § 2º). Em outras palavras: o aludido emprego das Forças Armadas tem por finalidade a preservação (ou o restabelecimento) da ordem pública, inclusive pelo asseguramento da incolumidade das pessoas e do patrimônio (público, e privado). E a realçada preservação (ou restabelecimento) é da competência das Polícias Militares, nos termos da Lei Maior.

Em tais situações, portanto, as Forças Armadas, porque incumbidas (emergencial e temporariamente) da preservação, ou do restabelecimento, da ordem pública, devem desempenhar o papel de Polícia Militar, têm o dever de exercitar - a cada passo, como se fizer necessário - a competência da Polícia Militar. Decerto, nos termos e limites que a Constituição e as leis impõem à própria Polícia Militar (v., por exemplo, do art. 5º da Carta, os incisos: II; III, parte final; XI e XVI).”
“Enfim, as Forças Armadas possuem, por sua própria natureza, poder de polícia. Ora, dado que os órgãos ou instrumentos a que se refere o art. 144 da Constituição possuem poder de polícia e são ‘forças auxiliares e reserva do Exército’, é evidente que o Exército em particular, e as Forças Armadas em geral, também possuem igual pode de polícia. ”[6]


Da Competência para legislar sobre Ordem Pública e Polícia Militar

Compete a União legislar sobre normas gerais de Segurança Pública e Polícia Militar e aos Estados cabe suplementar a Lei Federal (art. 22, XXI e art. 24 XVI, ambos da CF).
Vejamos a que diz a Constituição da República:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;”

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre [...]
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
[...]
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estado.”


Logo, é competência da União e dos Estados legislar sobre segurança Pública e funcionamento e organização das Polícias.

Neste sentido, esclarece o eminente Professor José Afonso da Silva:

“As polícias civis e militares do Distrito Federal e dos Territórios são, porém, organizadas e mantidas pela União (art. 21, XIV), mas as dos Estados são por estes organizadas e mantidas, obedecidas, no entanto, normas gerais federais previstas nos arts. 22, XXI, e 24, XVI, sobre a organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros, e sobre organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis. Estas últimas, pela primeira vez, ficam subordinadas as normas federais, sem qualquer justificativa, para tanto, a não ser meros interesses corporativos que fizeram introduzir tal dispositivo na Constituição”[7]

Não é à toa que a Constituição estabeleceu à União a incumbência de legislar normas gerais sobre Polícia Militar, ora, como vimos a Constituição de 1988, bem como a tradição do direito pátrio liga a PM ao Exército e o Exército à PM, pois a Polícia Militar pode ser mobilizada para incorporar-se ao Exército e o Exército quando destacado para atividade de lei e ordem exerce o papel da Polícia Militar, portanto a matéria reclama interesse nacional o que atrai a competência da União pelo critério da preponderância dos interesses utilizado pelo legislador constituinte.

Neste sentido, segue parecer da CCJ do Senado de relatoria do Senador Romeu Tuma exarado na apreciação da Constitucionalidade da PEC/2005:

“Todavia, a redação proposta para o inciso XXI do art. 22 ofende o princípio federativo, na medida em que, ao retirar da União a competência para legislar sobre normas gerais de organização das corporações militares estaduais, estas poderiam ser fortalecidas a ponto de se tornarem verdadeira ameaça à unidade do Estado brasileiro

[...]

Nossa tradição constitucional, pela própria formação histórica do Brasil, consagra uma federação com fortes poderes para a ordem jurídica central, a União, e autonomia relativizada para as ordens jurídicas parciais, que são os Estados. Em vista disso, em tema de segurança pública, não se pode, por meio de emenda ao texto constitucional, dar aos Estados a faculdade e dispor livremente sobre suas corporações militares.
Além disso, as polícias militares e os corpos de bombeiros militares, hoje forças auxiliares e reservas do Exército Brasileiro, consoante o vigente § 6º do art. 144 da Constituição da República, deixariam de sê-lo, o que também configura ofensa ao pacto federativo. No caso de um conflito armado ou de grave comprometimento da ordem pública, é de fundamental importância que as forças estaduais sirvam de auxílio e reserva ao Exército Brasileiro.”[8]


Da iniciativa para legislar sobre Polícia Militar

Nos termos do art. 61, inciso II, “b” c/c art. art. 84, II, ambos da Constituição da República, é iniciativa privativa do Chefe do Executivo exercer a direção superior da administração e dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Pública, tal norma é de observância obrigatória pelos Estados-Membros.
Neste sentido, precedentes do Supremo Tribunal Federal:

“[...] À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da administração estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de decreto do chefe do Poder Executivo”
(ADI 2.857, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJ de 30-11-2007)
“[...] As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da CB – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes."
(ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

No Estado de São Paulo o art. 47, II, da Constituição do Bandeirante reproduz a norma da Constituição Federal.

“Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição: [...]
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;”

Ao nosso sentir, ao dispor sobre normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares a lei está tratando de funcionamento da administração, pois está regulando o funcionamento do serviço segurança pública e organizando o órgão público Polícia Militar.

Portanto, tais leis são de iniciativas do Presidente da República e dos Governadores de Estado, aquele deve dispor sobre normas gerais e estes devem suplementar a norma federal em caráter específico para o Estado-Membro respectivo, sem, contudo, contrariar a norma geral da União.


Da atual legislação sobre organização da Polícia Militar

No plano infraconstitucional, “atos normativos federais que, anteriores a 5 de outubro de 1988, foram recepcionados pela Carta vigente: o Decreto-lei nº 667, com a redação que lhe conferiu, no ponto, aquele de nº 2 010, de 12 de janeiro de 1 983, o Decreto nº 88 777, de 30 de setembro de 1 983, pelo qual aprovado o -Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200)-, e, em seus textos, a competência das Polícias Militares para o -policiamento ostensivo-, as ações -preventivas- e -repressivas-, bem como os conceitos de -ordem pública-, -manutenção da ordem pública-, -perturbação da ordem- e -policiamento ostensivo” [9]

Portanto, ainda está vigente o R-200 que regulamento as atividades das Polícias Militares do Brasil.
Neste prisma, sobre o material bélico da PM dispõe referida norma:

“Art. 2º - Para efeito do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969 modificado pelo Decreto-lei nº 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos:
[...]
20) Material Bélico de Polícia Militar - Todo o material necessário às Policias Militares para o desempenho de suas atribuições especificas nas ações de Defesa Interna e de Defesa Territorial.
        Compreendem-se como tal:
        a) armamento;
        b) munição;
        c) material de Motomecanização;
        d) material de Comunicações;
        e) material de Guerra Química;
        f) material de Engenharia de Campanha.
[...]
Art . 29 - As características e as dotações de material bélico de Polícia Militar serão fixadas pelo Ministério do Exército, mediante proposta do Estado-Maior do Exército
Art . 31 - A fiscalização e o controle do material das Polícias Militares serão procedidos:
        1) pelo Estado-Maior do Exército, mediante a verificação de mapas e documentos periódicos elaborados pelas Polícias Militares; por visitas e inspeções, realizadas por intermédio da Inspetoria-Geral das Polícias Militares, bem como mediante o estudo dos relatórios de visitas e inspeções dos Exércitos e Comandos Militares de Área;
        2) pelos Exércitos e Comandos Militares de Área, nas respectivas áreas de jurisdição, através de visitas e inspeções, de acordo com diretrizes e normas baixadas pelo Estado-Maior do Exército;
        3) pelas Regiões Militares e outros Grandes Comandos, nas respectivas áreas de jurisdição, por delegação dos Exércitos e Comandos Militares de Área, mediante visitas e inspeções, de acordo com diretrizes normas baixadas pelo Estado-Maior do Exército.[10]

No mais, é o Decreto Federal 3.665/2000 - Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105) – que estabelece as normas necessárias para a correta fiscalização das atividades exercidas por pessoas físicas e jurídicas, que envolvam produtos controlados pelo Exército.

Neste sentido, a “bala de borracha” - munição de elastômero do calibre 12 – é uma munição de baixo impacto, lançada com auxílio de arma calibre 12, utilizado em Operações de Garantia da Lei e da Ordem, para o controle de distúrbios civis.

Deste modo, sendo munição lançada por arma de fogo, é o R-105 quem deve regular o uso de “bala de borracha” não havendo que se falar em regulação através de Leis Estaduais.

Ademais, a DAbst - C1Vln 016/2013 da Diretoria de Abastecimento do Exército Brasileiro regula os requisitos técnicos do cartucho não letal de calibre 12.[11]

Destarte, é do Exército a atribuição para controlar o material bélico das Polícias Militares, isto em decorrência de que caso não haja este controle estas poderiam ser fortalecidas a ponto de se tornarem verdadeira ameaça à unidade do Estado brasileiro, bem como é de fundamental importância que as forças estaduais sirvam de auxílio e reserva ao Exército Brasileiro.[12] Por fim, sendo utilizados em armas de fogo calibre 12, a munição de elastômero tem seu uso regrado pelo R-105, não cabendo o controle deste produto pelo Estado-Membro.


Municípios: Guardas Municipais e a Segurança Pública

No que toca ao Município, estabelece a Constituição a competência para legislar sobre matérias de interesse local; elucida a Doutrina que interesse local é a predominância do interesse do Município sobre o do Estado e da União.[13]

Explica o Mestre Diogenes Gasparini:

“Portanto, sem qualquer esforço exegético, vê-se que nenhuma competência legislativa tem o Município em matérias que não atinam com o interesse local, como transporte coletivo intermunicipal, correios e telefonia, mesmo que realizados no interior de seu território. Também e pela mesma razão, não lhe cabe legislar ou mesmo prestar serviços de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública.”[14]


Desta maneira, como já dito, o Município não tem competência para legislar sobre polícia de preservação da ordem pública, competência esta que pertence a União, para ditar normas gerais; e aos Estados-Membros, para suplementar a norma federal (art. 22, XXI e art. 24 XVI, ambos da CF).

Ainda, o Professor Hely Lopes Meirelles, ao elencar as atividades de Polícia atribuídas ao Município, não incluiu no rol a Polícia Ostensiva de Preservação da Ordem.

Referido mestre aponta que cabe ao Município dispor quanto à instalação de alto-falantes e seu uso público ou privado, restando às Polícias Estaduais atuar apenas quando a conduta configure crime ou contravenção.
No mais, no tocante à prevenção de delitos, o renomado doutrinador argumenta que compete ao Município tomar medida para impedir a formação de ambientes favoráveis ao crime, através de leis, ou negando alvará, para coibir a instalação de estabelecimentos que sejam nocivos à ordem pública (caberes, boates etc.), ou determinando o seu fechamento.[15]

Sobre as Guardas Municipais conclui Diogenes Gasparini:

“O art. 144,§ 8º, da Constituição Federal faculta aos Municípios a instituição de guarda municipal, com a finalidade nitidamente diversa da Polícia Militar, pois apenas lhe atribui competência para a proteção de seus bens serviços e instalações, conforme dispuser a lei de criação, Não lhe toca, assim, nenhuma função de polícia ostensiva, de preservação da ordem pública, próprias e exclusiva da Polícia Militar, nos termos do § 6º desta prescrição constitucional.” [16]

Na mesma linha, o constitucionalista José Afonso da Silva:

“Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma polícia municipal. Com isso, os Municípios ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública [...]
A Constituição apenas lhes reconheceu a faculdade de constituir guardas municipais destinadas à proteção dos seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Aí certamente está uma área que é segurança: assegurar a incolumidade do patrimônio municipal, que envolve bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais, mas não é de polícia ostensiva, que é função exclusiva do Polícia Militar.” [17]

E para encerrar, Roberto Botelho:

“Repisa-se que as Guardas Municipais não são nem estão equiparadas às Forças de segurança, que, no caso, são as Polícias Militares do Brasil, pois a sua atividade tem de se prender e estar adstrita e direcionada à proteção do patrimônio público municipal e, reafirme-se, que nada mais mesmo.” [18]
Mais não é preciso dizer, os Municípios não têm qualquer atribuição seja para legislar ou para prestar o serviço de Polícia Ostensiva de Preservação da Ordem Pública, atribuição exclusiva da Polícia Militar.


Inconstitucionalidade das Leis que pretendem impedir o uso de “Bala de Borracha” durante protestos e distúrbios civis

Finalmente chegamos ao fechamento das nossas ilações, vamos agora examinar as leis de visam proibir o uso da munição de elastômero calibre 12 pela Milícia Bandeirante e que motivaram a elaboração deste estudo.

Com o efeito, tramitam na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo dois projetos de Lei que querem impedir que a PM paulista utilize tal munição em manifestações e protestos.[19]
Vejamos a redação dos projetos:

Projeto 608/2013 do Deputado Luiz Cláudio Marcolino:

“Artigo 1º - Fica proibido, no Estado de São Paulo, o uso de munição de elastômero (bala de borracha) pelos policiais da Polícia Militar e da Polícia Civil.

Artigo 2º - Eventual uso de munição de elastômero (bala de borracha) por policiais militares ou civis será considerado como transgressão disciplinar, devendo ser imediatamente instaurado procedimento disciplinar para a devida apuração.”


Projeto 647/2013 Deputado Francisco Campos Tito:

“Artigo 1º - Esta Lei veda o uso de munições de elastômero do calibre 12, “balas de borrachas” pelos órgãos de Segurança Pública do Estado de São Paulo, em manifestações populares, distúrbios provocados por comoção social e outros tipos de protestos públicos, sociais e desportivos.”


Após toda a explanação que fizemos sobre as atribuições constitucionais da Polícia Militar, bem como sobre a competência para legislar sobre a matéria e a ligação existente entre a força estadual e o Exército Brasileiro, cremos que é de clareza solar a inconstitucionalidade dos projetos em tela.

Ora, em primeiro lugar a matéria diz respeito ao material bélico da PM, como vimos é competência da União legislar sobre as normas gerais e material bélico das forças auxiliares (art. 22, XXI, CF).

Isto ocorre porque “no caso de um conflito armado ou de grave comprometimento da ordem pública, é de fundamental importância que as forças estaduais sirvam de auxílio e reserva ao Exército Brasileiro”, como bem dito no parecer de relatoria do Senador Romeu Tuma aqui já mencionado.

Em outras palavras, é interesse da União o tipo de armamento disponível no arsenal da Polícia Militar, enquanto incorporada à Força Terrestre (Exército) para defesa interna e territorial e para prevenir e reprimir grave perturbação da ordem.

Neste ponto de vista, é competência da União, através do Exército Brasileiro, controlar o material bélico da PM, não podendo o Estado-Membro proibir qualquer tipo de arma, sob pena de comprometimento da segurança nacional.

Ademais, a iniciativa para este tipo de Lei deve ser do Presidente da República enquanto comandante supremo das Forças Armadas e em consonância com o art. 61, inciso II, “b” c/c art. 84, II, ambos da Constituição da Republica.

Ainda, o controle das armas é atribuição do Governo Federal através de Lei Federal (Estatuto do Desarmamento) e do R-105, não cabendo ao Estado-Membro legislar sobre esta seara.

Enquanto Lei Federal não proibir o uso de elastômero calibre 12 pelas Polícias Militares do Brasil, não pode Lei Estadual dispor em contrário.

A única possibilidade que entendemos possível é a regulação da forma pela qual a PM irá empregar tal munição, mas não a proibição total do seu uso, no entanto é competência do Governador do Estado legislar sobre funcionamento da administração pública, portanto neste caso caberia ao Governador a iniciativa da lei que regule tal uso; ainda compreendemos que o mais adequado seria o Chefe do Executivo Estadual, se entender conveniente e oportuno, baixar um decreto regulando o assunto (por simetria ao art. 84, VI, da CF).

Temos, também, notícia de que o vereador Pedro Tourinho propôs Lei no mesmo sentido junto a Câmara Municipal de Campinas, trata-se do Projeto de Lei 51/2014[20]; o art. 1º de referido projeto “veda o uso de munição de elastômero calibre 12 pelos órgãos de segurança de Campinas”.

Interpretemos que ao mencionar os “órgãos de segurança de Campinas” o nobre edil quis se referir à Guarda Municipal, pois ecoa teratológico a Municipalidade pretender organizar o funcionamento de órgãos de segurança Estaduais, no caso Polícia Militar e Civil.

Ora, o Município não pode legislar sobre serviços de competência dos Estados e da União; como já explanado aqui e consoante ensina Hely Lopes Meirelles – Direito Municipal Brasileiro – 17º Edição, págs. 112/113, o Município tem a prerrogativa de organizar apenas os serviços locais, portanto o Município de Campinas não poderá impedir a PM de usar munição de elastômero calibre 12, sob pena de violação do pacto federativo.

Cumpre lembrar, compete a União legislar sobre normas gerais de Segurança Pública e Polícia Militar e aos Estados cabe suplementar a Lei Federal (art. 22, XXI e art. 24 XVI, ambos da CF), o Município não tem competência para legislar sobre esta matéria.

Destarte, ainda que o projeto se refira apenas à GM, ele padece de inconstitucionalidade, pois os usos permitidos e proibidos das armas de fogo e munições são regulados pela Lei Federal nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) e pelo Decreto 3.665/200 (R-105), não podendo o Município regular matéria de competência Federal.

Entendemos de fundamental importância que a Guarda Municipal possua em seu arsenal a munição de elastômero calibre 12, pois no seu mister de defesa do patrimônio e serviços municipais a corporação poderá se deparar com situações em que o emprego de tal armamento seja imprescindível; vide as situações vividas em 2013 quando vimos guardas municipais sitiados no interior de prédios municipais na tentativa de se proteger e de proteger o patrimônio público da fúria de manifestantes.

 Assim sendo, nos mesmos moldes que explanamos acima sobre a Polícia Militar, o que poderia ser feito pelo Município é a regulamentação do emprego da “Bala de Borracha” pela GM, mas não a proibição (que é matéria de competência da União).

No entanto, tal lei é de iniciativa do Prefeito e não de vereador, pois ao regular o uso da munição de elastômero a norma estará organizando funcionamento da administração pública, competência do Chefe do Executivo (art. 61, inciso II, “b” c/c art. art. 84, II, todos da Constituição); Ademais, o mais adequado seria o Chefe do Executivo Municipal, se entender conveniente e oportuno, baixar um decreto regulando o assunto (por simetria ao art. 84, VI, da CF).


 Considerações Finais

Ao longo deste trabalho demonstramos o papel constitucional das Polícias Militares, enquanto força auxiliar e reserva do Exército, nos termos do art. 144, § 6º da Constituição, neste sentido, é de fundamental importância que as forças estaduais sirvam de auxílio e reserva à Força Terrestre para o caso de um conflito armado ou de grave comprometimento da ordem pública, defendendo o território nacional.

Por outro lado, a principal função atribuída, e com exclusividade, pela Carta da República às Polícias Militares do Brasil é a preservação da ordem pública, neste aspecto a competência da PM é ampla, engloba, inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, e só admite exceções constitucionais expressas: as referentes às polícias rodoviária e ferroviária federais (art. 144, §§ 2º e 3º), bem como -em caso de perturbação da ordem- sua competência de restabelecê-la, restaurá-la, funcionado a Polícia Militar como verdadeiro exercito da Sociedade.

Por conta destas atribuições, nossa Constituição estabeleceu que compete à União legislar sobre normas gerais de Segurança Pública e  material bélico da Polícia Militar e aos Estados cabe suplementar a Lei Federal (art. 22, XXI e art. 24 XVI), isto, pois, caso contrário, as corporações militares estaduais poderiam ser fortalecidas a ponto de se tornarem verdadeira ameaça à unidade do Estado brasileiro, e para que sirvam de auxílio e reserva ao Exército Brasileiro no interesse da segurança nacional.

Neste prisma, ainda está vigente o R-200 que regulamenta as atividades das Polícias Militares do Brasil, assim é do Exército a atribuição para controlar o material bélico das Polícias Militares.

Nos termos do art. 61, inciso II, “b” c/c art. art. 84, II, ambos da Constituição da Republica, é iniciativa privativa do Chefe do Executivo exercer a direção superior da administração e dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Pública.

Ainda, compete à União legislar sobre o uso de armas de fogo e suas munições, o que já foi feito pela Lei Federal nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) e pelo Decreto 3.665/200 (R-105), sendo a munição de elastômero calibre 12 utilizada em arma de fogo, temos que é o R-105 que regula sua utilização.

De todo o exposto, é do interesse da União o tipo de armamento disponível no arsenal da Polícia Militar, enquanto incorporada à Força Terrestre (Exército) para defesa interna e territorial e para prevenir e reprimir grave perturbação da ordem, não podendo norma estadual proibir o que a lei federal não proibiu, sob pena de prejuízo à segurança nacional.

No mais, entendemos que é possível ao estado regular a forma pela qual a PM irá empregar a “Bala de Borracha”, no entanto é competência do Governador do Estado legislar sobre funcionamento da administração pública, portanto neste caso caberia ao Governador tal iniciativa e não aos Deputados.

Por fim, os Municípios e suas Guardas Municipais não têm qualquer atribuição com relação à manutenção da Ordem Pública, por isso a Municipalidade não pode querer regular o uso da munição de elastômero calibre 12 pelas Polícias; no mais ato por iniciativa do Prefeito poderia regular o uso de tais armamentos pela GM.

Assim sendo, os projetos de Lei de nº 608/2013 e nº 647/2013 que tramitam na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo são inconstitucionais, pois estão usurpando a competência da União para legislar sobre normas gerais de Segurança Pública e material bélico das Polícias Militares, bem como invadem a competência do poder central para legislar sobre o uso de armas de fogo e munições e violam a iniciativa do Chefe do Executivo para legislar sobre o funcionamento da administração; pelos mesmos motivos é inconstitucional o Projeto de Lei 51/2014 da Câmara Municipal de Campinas.




Referências Bibliográficas

Do AMARAL JR., José Levi M. – Direito Militar Doutrina e Aplicações – 1ª edição – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011

BOTELHO, Roberto – Direito Militar Doutrina e Aplicações – 1ª edição – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

BULOS,  Uadi Lammêngo - Direito Constitucional ao alcance de todos – São Paulo: Sariava, 2009.

GASPARINI, Diogenes - Direito Administrativo – 17ª edição, Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes – Direito Municipal Brasileiro – 17ª edição, Malheiros Editores, 2013.

DA SILVA, José Afonso - Curso de Direito Constitucional Positivo-, Malheiros Editores, 30ª edição, 2007.

Advocacia Geral da União - Parecer nº GM – 025 – http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx?idAto=8417 – acesso em 07mar14 às 15h30min

http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/75873.pdf - acessado em 09mar14 às 17h45

http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2003/pthadeu/forcaspoliciaiseordempublica.htm

http://www.coter.eb.mil.br/igpm/index.php/2011-10-08-09-04-19/material-belico


[1] Roberto Botelho – Direito Militar Doutrina e Aplicações – 1ª edição – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, pág. 195/198.
[2] http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2003/pthadeu/forcaspoliciaiseordempublica.htm
[3] Advocacia Geral da União - Parecer nº GM – 025 – disponível em: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx?idAto=8417 – acesso em 07mar14 às 15h30min (grifamos)

[4] Curso de Direito Constitucional Positivo-, Malheiros Editores, 30ª edição, 2 007, pág. 772.
[5] Direito Constitucional ao alcance de todos – São Paulo: Sariava, 2009, pág. 558.
[6] José Levi M. do Amaral Jr. – Direito Militar Doutrina e Aplicações – 1ª edição – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, pág. 222/223.
[7] DA SILVA, José Afonso – Curso de Direito Constitucional – 30ª edição revista e atualizada, Malheiros Editores, 2008, p. 780/781 (grifos nossos).
[8] Disponível em: http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/75873.pdf - acessado em 09mar14 às 17h45 (grifamos).
[9] Advocacia Geral da União - Parecer nº GM – 025 – disponível em: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx?idAto=8417 – acesso em 07mar14 às 15h30min – No mesmo sentido: Roberto Botelho – Direito Militar Doutrina e Aplicações – 1ª edição – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, pág. 195/197
[10] Sobre material bélico das Polícias Militares ver Web Site da Inspetoria Geral das Polícias Militares : http://www.coter.eb.mil.br/igpm/index.php/2011-10-08-09-04-19/material-belico
[11] Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:4vgXzPItRHIJ:www.dabst.eb.mil.br/Normas/Classe%2520V/Proj%25C3%25A9teis%2520de%2520Borracha/CARTUCHO-NAO-LETAL-CAL-12_70_MULTIPLO-Cl-V-016-2013.pdf+&cd=9&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br – acessado em 10mar14 às 16h00.

[12] http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/75873.pdf

[13] MEIRELLES, Hely Lopes – Direito Municipal Brasileiro – 17ª edição, Malheiros Editores, 2013, p. 110/111.

[14] Direito Administrativo – 17ª edição, Saraiva, 2012, p. 352 (grifamos).
[15] Direito Municipal Brasileiro – 17ª edição, Malheiros Editores, 2013, p. 524.
[16] Direito Administrativo – 17ª edição, Saraiva, 2012, p. 316 (grifamos)
[17] DA SILVA, José Afonso – Curso de Direito Constitucional – 30ª edição revista e atualizada, Malheiros Editores, 2008, p. 781/782 (grifos nossos).
[18] Direito Militar Doutrina e Aplicações – 1ª edição – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 202.

[19] http://www.novomomento.com.br/Pol%C3%ADtica%20Cr%C3%ADtica/15227/petista-quer-restringir-bala-de-borracha-na-pm

[20] Ver em: http://sapl.campinas.sp.leg.br/sapl_documentos/materia/286087_texto_integral - acesso em 10mar14 às 21h55min

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