CELSO
TARCISIO BARCELLI[1]
Resumo
O
presente trabalho tem como escopo trazer breves considerações sobre as
diferenças entre o erro de fato e de direito do Código Penal Militar e os
institutos do erro de tipo e de proibição do Código Penal Brasileiro, pugnando
ao final pela modernização dos vetustos institutos presente no Código Castrense.
Palavra chave: Polícia
Militar. Forças Armadas. Erro de Fato.
Introdução
O
Código Penal Militar trabalha com dois institutos envelhecidos, trata-se do
erro de fato e do erro de direito.
O
Código Penal Comum foi modernizado na reforma de 1984, o erro de fato e de
direito foram substituídos pelo erro de tipo e de proibição.
Deste
modo, existem similitudes entre os institutos castrenses e da legislação comum,
no entanto existem também diferenças.
Fato
é que o legislador pátrio costuma esquecer a lei penal militar quando promove
as reforma na lei penal comum, como resultado, os códigos militares têm sofrido
com a desatualização perante os avanços da sociedade.
Neste
contexto, entendemos salutar que o legislador promova uma reforma na lei penal
militar para que ela acompanhe a modernização da lei penal comum, respeitado
sempre os pilares da legislação castrense, quais sejam, a hierarquia e
disciplina.
1- Código Penal Militar
1.1 - O Erro de Fato
Nos termos
do art. 36 do Código Penal Militar, o agente é isento de pena quando, por erro
plenamente justificável, cometer um crime supondo a inexistência de fato que
constitui o crime, ou supor a existência de fato que tornaria a ação legítima.[2]
São
duas as modalidades, a saber:
I- o
agente erra no tocante ao fato que constitui o crime, por exemplo, o individuo
leva consigo um celular que não lhe pertence, mas que é muito parecido com o
seu, neste caso o sujeito acredita fielmente que está carregando o seu telefone
móvel, quando em verdade leva o de outrem, essa falsa percepção da realidade
exclui o dolo da conduta do agente;
II –
na segunda hipótese, o agente acredita na existência de uma situação de fato
que tornaria sua ação legítima, como ocorre, por exemplo, na legítima defesa
putativa, aqui o sujeito acredita que a vítima se encontra armada e prestes a
efetuar um disparo, por esta razão o agente efetua primeiro o disparo acertando
a vítima[3],
o sujeito acredita na existência de causa de justificação que não é real, mas,
sim, produto de sua falsa percepção da realidade dos fatos.
Em
qualquer uma das hipóteses acima, se comprovado o erro invencível, fica
excluído o dolo, restando isento de pena o agente.
Porém,
se o erro pudesse ser evitado com as devidas cautelas, ou seja, se era possível
com atenção comum inteirar-se das circunstâncias reais do fato, e por
imprudência ou negligência o agente não o fez, portanto o erro decorre de
culpa, a este título responde o sujeito, se houver previsão de punição na forma
culposa, tudo consoante o § 1º do art. 36 do CPM.
1.2 - Erro de Direito
No erro
de direito, uma pessoa por falta de conhecimento, ignorância, ou mesmo por uma
interpretação equivocada da lei, acredita que agiu de acordo com o ordenamento
jurídico, pensando ser licita sua conduta, quando, na verdade, era ilícita.[4]
A
ignorância é a falta completa de conhecimento da lei, o erro é o conhecimento
falso, o erro e a ignorância no direito penal têm o mesmo significado.[5]
O erro
de direito, se escusável, apenas atenua ou substitui a pena por outra menos
grave, conforme art. 35 do CPM; não se aplica o instituto quando o crime for
contra o dever militar.
2 – Código Penal Comum
2.1 – Erro de Tipo
É o
erro que recai sobre algum elemento do tipo penal (art. 20 do Código Penal);
pode incidir sobre as elementares ou circunstâncias da figura típica, bem como nos
pressupostos fáticos de uma causa de justificação da conduta, por exemplo,
ocorre o erro de tipo quando um caçador atira em direção de um arbusto
acreditando que ser um animal bravio, mas, na verdade, tratava-se de outro
caçador que vem a falecer, neste caso, a falsa percepção da realidade recaiu
sobre a elementar “alguém” descrita no tipo penal do art. 121 do CP, vale
dizer, o caçador pensou atirar em um animal e não em “alguém” (outro ser
humano).[6]
O
erro pode também incidir sobre uma causa de justificação (§ 1º do art. 20, do
CP), é o exemplo, já citado aqui, do o sujeito acredita que a vítima se
encontra armada e prestes a efetuar um disparo, por esta razão o agente efetua
primeiro o disparo acertando a vítima – trata-se da legítima defesa putativa
(erro permissivo ou discriminante putativa); pode ocorrer, ainda, caso de
estado de necessidade putativo, estrito cumprimento do dever legal putativo e
exercício regular do direito putativo.
O
erro sobre elementar do tipo exclui o dolo, pois o sujeito não sabe que executa
o tipo penal, porém admite punição por crime culposo, se erro decorre de culpa
e existir modalidade culposa prevista em lei.
Já o
erro sobre uma causa de exclusão da ilicitude isenta o réu de pena, todavia não
existe isenção de pena se o erro deriva de culpa e o crime é punível como
culposo.
2.2 – Erro de Proibição
No
art. 21 do Código Penal o legislador pátrio consignou que o desconhecimento da
lei é inescusável, uma vez publicada, a lei alcança toda sociedade.
Contudo,
desconhecer a lei é diferente de falta de consciência da ilicitude do fato. No
primeiro caso, o sujeito desconhece a lei, porém pode intuir que a conduta é
injusta; já na segunda hipótese, o sujeito desconhece que o fato praticado é
criminoso, supondo ser permitido.[7]
No
erro de proibição o desacerto incide sobre a licitude do fato, o agente
acredita na inexistência de proibição, fica excluída a culpabilidade.
Assim
sendo, se o erro for invencível o agente fica isento de pena; se o erro é
evitável a pena é atenuado de um sexto a um terço (art. 21, parágrafo único, do
CP).
Aqui
também incidem as hipóteses em que o agente acredita na existência da causa de
exclusão da ilicitude que, na verdade, não existe, como por exemplo, o marido
que mata a mulher e o amante acreditando que exista excludente de legítima
defesa da honra; ou o caso do sujeito que extrapola os limites da excludente de
ilicitude, por exemplo, o agente que, agindo em legítima defesa, após repelir a
injusta agressão, passa a acatar seu algoz chegando a matá-lo e acreditando que
a sua conduta exagera é legítima.
3 – Comparando os institutos
Existem
similitudes nos institutos descritos nos códigos, por exemplo, o conceito de
erro invencível e erro vencível (aquele que pode ser evitado com as devidas
cautelas). No entanto, também existem diferenças, abaixo elencamos algumas
delas.
Erro
de fato: exclui o dolo, o fato é típico porque no CPM o dolo está na
culpabilidade, porém o réu é isento de pena, ao usar o termo “é isento de
pena...” o Código Castrense aponta para a exclusão da culpabilidade.
Erro
de tipo: excluí o dolo e culpa se invencível – no Código Penal Comum dolo e
culpa integram o tipo penal (teoria finalista) -, logo o fato é atípico; se
vencível exclui o dolo admitindo punição por culpa se houver tipo culposo.
Quanto
às descriminais putativas haverá isenção de pena tanto no CP quanto no CPM,
admitida a punição por culpa.
No
erro de direito, ainda que invencível, apenas há redução da pena. A Crítica
fica por conta da punição sem culpabilidade, pois o agente age sem dolo, o
dolo, no CPM, está na culpabilidade, se o sujeito erra ao interpretar a lei,
age sem dolo.
Assim,
sobre o erro de direto, “Jorge césar de
Assis afirma que há fortes argumentos para contrariá-lo, pois no Direito Penal
brasileiro vige a culpabilidade, não podendo haver pena sem culpa (nulla poena sine culpa).”[8]
No
erro de proibição há exclusão da culpabilidade, o agente fica isento de pena, é
punível apenas se o erro for evitável tomando-se atenção comum.
Ademais,
a doutrina critica os antiquíssimos institutos do erro de fato e erro de
direito, pois a distinção entre eles gera dificuldade.
Não
é fácil distinguir entre uma situação de fato e o erro sobre a lei; aproveitando
o caso aqui já citado, quando caçador atira em direção de um arbusto
acreditando ser um animal, mas, na verdade, tratava-se de outro caçador, existe
erro de fato porque o sujeito tem falsa percepção da realidade, é também erro
de tipo, pois o erro recai sobre a elementar “alguém” do tipo do art. 121 do
CP, já que o agente acreditava atirar em animal e não em “alguém”; contudo,
quando o elemento do tipo é normativo, por exemplo, a elementar “funcionário
publico” do art. 333 do CP – correspondente ao art. 309 do CPM – há erro de
tipo, todavia na classificação antiga é erro de direito, pois o agente errou
quanto à interpretação do que seja funcionário público, conceito descrito no
art. 327 do CP[9].
Estes
são nossos apontamentos, que não objetivam por fim ao assunto, mas, sim, trazer
apenas algumas observações sobre o erro de fato e de direito descrito no Código
Castrense.
Por
fim, dada diversas discrepâncias encontradas entre a lei penal comum e militar
- fruto das constantes reformas da legislação penal comum - cremos que já é
hora do legislador nacional se lembrar dos Códigos Penal e de Processo Penal
Castrense e promover uma reforma para aproximá-lo mais da legislação comum, no
que couber.
Referências
Bibliográficas
ANDREUCCI,
Ricardo Antonio – Minicódigo penal anotado – 4. ed. rev. e atual. – São Paulo:
Saraiva, 2010.
ROSA,
Paulo Tadeu Rodrigues – Código penal militar comentado – artigo por artigo –
Belo Horizonte; Ed. Líder, 2009.
ROSSETO,
Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2012.
DIAS,
Priscilla Dellano Rangel. Comparação entre o instituto do erro no Código Penal
e no Código Penal Militar. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n.
107, dez 2012. Disponível em: .
[1] Procurador do
Município de Sorocaba; Foi Policial Militar em São Paulo; Bacharel em Direito;
Aluno da pós-graduação em Direito Militar da Universidade Cruzeiro do Sul.
[2]
ROSSETO, Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 200.
[3]
ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues – Código penal militar comentado – artigo por
artigo – Belo Horizonte; Ed. Líder, 2009, p. 76/77
[4]
Idem, p. 75.
[5]
ROSSETO, Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 195.
[6]
ANDREUCCI, Ricardo Antonio – Minicódigo penal anotado – 4. ed. rev. e atual. –
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 74/75.
[7]
Idem, p. 79/80.
[8] DIAS,
Priscilla Dellano Rangel. Comparação entre o instituto do erro no Código Penal
e no Código Penal Militar. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n.
107, dez 2012. Disponível em: .
Acesso em maio 2014
[9] ROSSETO,
Enio Luiz – Código penal militar comentado – 1. ed. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2012, p. 196
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